O episódio rocambolesco do Renan Calheiros no Senado passou a conter um ingrediente potencialmente perigoso para o governo e para os partidos que têm hesitado em atuar mais energicamente no caso. A manterem esta opção, estarão se dissociando do sentimento cada vez mais crescente na sociedade de que algo deve ser feito – e com urgência.
É verdade que junto com as frágeis alegações do presidente do Senado há uma série de absurdos em todo seu processo, como a invasão na vida privada, atuação da mídia, interesses escusos na sua queda, inversão do princípio de inocência e etc.
Mas também é verdade que com essa crise - e com os demais episódios de senadores envolvidos em irregularidades - o ar no Congresso Nacional ficou irrespirável. No imaginário social o “nojo com a política e com os políticos” talvez seja o sentimento que melhor defina a reação das pessoas comuns nesses dias.
Junte-se a isso os recentes escândalos que demonstraram o envolvimento de setores da alta cúpula do Poder Judiciário brasileiro com a contravenção, a jogatina e o crime organizado. Tais fatos puseram em evidência a discrepância que existe entre privilégios jurídicos e a necessidade de parâmetros verdadeiramente republicanos e justos, iguais para todos cidadãos.
Com o fracasso da votação da reforma política e a sucessão de patifarias que carregam no ventre o gene do sistema eleitoral e político-representativo vigente, as coisas só tendem a se agravar. As razões hoje para a retomada das reformas eleitoral, política e judiciária estão ainda mais latentes. E exigem, para serem efetivas, a ampla mobilização e participação da sociedade brasileira.
O país caminha incontornavelmente para um impasse de credibilidade e de confiança nas instituições; de falência dos padrões jurídico-legais em vigência. Seria de se perguntar se não seria o caso de realização de uma Assembléia Constituinte exclusivamente para a finalidade de conceber e aprovar as reformas política, eleitoral e judiciária do Brasil.
É cada vez mais imprescindível para a saúde das instituições políticas a realização de tais reformas, que só chegarão a termo aceitável se transcorrerem num ambiente de participação e controle da sociedade, como pode ser o caso de uma Assembléia Constituinte.
É chegada a hora de discutir-se, por exemplo, o fim do sistema bicameral do país eliminando-se o Senado Federal e definindo-se um modelo de representação unicameral adequado e igualitário que assegure a diversidade e a expressão federativa.
Pontos como da votação em listas partidárias, financiamento público, revogabilidade de mandatos, fidelidade partidária e outros que tornem as eleições processos lisos e independentes do fator econômico, devem ser contemplados numa verdadeira reforma.
Mas, além disso, uma Constituinte poderia avançar na questão democrática nacional, permeabilizando o Estado brasileiro com dispositivos de participação direta como o Orçamento Participativo na definição e controle das políticas nacionais e na constituição de uma ampla esfera pública não-estatal. Esse é, sem dúvida, o principal antídoto à corrupção.
É essencial, por último, a discussão sobre o fim dos privilégios, dos foros privilegiados e de outras regalias jurídicas, assim como a elegibilidade de desembargadores e ministros das altas instâncias e o controle social do judiciário.
Algo de mais sério está acontecendo no Brasil para além dos escândalos de corrupção. As respostas circunstanciais que sejam dadas a esses processos – com ou sem punições e cassações de mandatos - já não respondem globalmente à gravidade da situação presente. Por isso, a pergunta: não estão reunidas as condições para a realização duma Assembléia Constituinte?
2 comentários:
Me incomoda demais essa idéia de Constituinte. Não acho que seja simples assim. Concordo, vivemos uma crise institucional séria, mas será que uma Constituinte resolve? Haveria novas eleições para os constituintes ou seriam estes que aí estão? Acho complicado. É como se a corrupção fosse causada por falhas da CF de 88, como se não existisse antes dela.
Esse movimento pró-constituinte começou já em 2005 e 2006. E surgiu, assim, um movimento contrário à idéia de Constituinte, sobre o qual temos que pensar. Em agosto de 2006, o Fábio Konder Comparato, em uma entrevista, disse o que pensa sobre a idéia de Constituinte, com o que concordo:
"Acho isso extremamente perigoso. Quem é que vai eleger os membros desta constituinte? Infelizmente, o poder econômico vai ter uma influência marcante. E quem nos garante que essa atividade faça avançar a democracia? O problema todo, que não está nesta proposta, é que nós precisamos avançar a democracia direta. Eles (os parlamentares) podem tentar avançar o sistema eleitoral, o sistema partidário — aliás, eles só fazem isso quando são pressionados pelos escândalos —, mas isso não vai, sustento, afirmo, argumento, avançar nem um milímetro a nossa democracia."
disponível em http://www.cosmo.com.br/especial/crisepolitica/integra.asp?id=137291
Quando ele fala em "avançar a democracia direta", se refere ao sistema de recall de parlamentares, por exemplo. Convenhamos, isso não vai mudar com uma Constituinte.
O grande perigo de uma Constituinte exclusiva (com temáticas já definidas: judiciário e política) é que ela pode até mesmo piorar as coisas, levando em conta o perfil do nosso Congresso e quem é eleito nesse País. A reforma política é reforma eleitoral - em nenhum momento se leva em conta mecanismos de maior participação popular, e isso não vai mudar com uma Constituinte simplesmente porque os parlamentares serão os mesmos, os partidos serão os mesmos e o poder estrá nas mãos dos mesmos. Simplesmente não resolve. E sendo exclusiva, é excludente: não leva em conta elementos que são determinantes na questão judicial e política - a economia, a participação popular, o pacto federativo (porque isso não existe de fato nesse país!), a tributação, etc.
Se já tá ruim assim, pode ficar muito pior com uma eventual Assembléia Constituinte.
Temos o maior congresso do mundo, o mais caro e um dos mais corruptos. Constituinte agora, sem reformas políticas amplas nos daria um congresso constituinte canalha e ainda mais distante do povo brasileiro. Não concordo com a tese, pelo menos agora.
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