Meu amigo e camarada João R. saiu do PT. Em abril passado se desfiliou na sede do PT de Porto Alegre.
Chamou-lhe atenção o carimbo virado feito acidentalmente no documento de desfiliação pelo funcionário que o atendeu. Segundo João, pareceu-lhe uma metáfora com a situação do PT de hoje: tudo se encerrou num carimbo; um carimbo tão de cabeça pra baixo, tão invertido. Um carimbo tão fora de lugar que, porém, sequer incomodou o funcionário, à vontade com o “descuido”. A metáfora, enfim, serviu-lhe como uma espécie de analgésico a amainar a dor da decisão tomada.
João fez parte do memorável esforço que foi o movimento pró-PT, a partir de 1979. Em 1980, foi um dos filiados fundadores do PT. Ali no PT, ficou nestes quase 30 anos pela paixão e confiança nas políticas e nas idéias de esquerda. Nestes anos todos, nunca pleiteou pra si cargos ou favores partidários, assim como nunca dependeu de arreglos ou aritméticas para sobreviver politicamente ou materialmente. Sempre fez política e militou sem contrapartidas.
João é daqueles “exóticos” – ou alguns prefeririam ortodoxos - que preferem mil vezes a “demora histórica” da construção hegemônica de esquerda e socialista do que a rapidez volátil do pragmatismo que concebe até a coabitação do PP com o PT como fruto da “nova inteligência programática” ou da “exigência dos tempos” eleitorais.
João não faria – como não fez – nenhum alarde com sua decisão; apenas compareceu na sede do PT. A desfiliação dele, ao invés de despertar a ira generosa contra as perdas que se sucedem, só aprofunda o silêncio dum PT que parece querer renegar seu passado e sua história.
Na sua saída amistosa e respeitosa do PT, João mereceria ter recebido mais do que um simples carimbo de cabeça para baixo e o destino dos trâmites burocráticos no TRE. Resignemo-nos à realidade, contudo: o PT se dará conta da sua desfiliação na véspera da próxima ocasião eleitoral interna do Partido, quando então lhe telefonariam para “participar” do PT e da “decisão sobre seus destinos”.