sexta-feira, 13 de junho de 2008

Diante de uma questão cívica

Jeferson Miola
A conjuntura política gaúcha adquiriu um ritmo impressionante de câmbios e revelações na semana passada. A situação evoluiu dramaticamente, e a crise já não pode ser tratada como uma simples contenda binária do tipo oposição versus situação, porque os episódios revelados colocam toda a sociedade gaúcha diante de uma questão que é, acima de tudo, cívica.

Com as descobertas estarrecedoras, instrumentalizar a luta política entre governistas e oposicionistas para interditar as providências exigidas seria não só inaceitável, como perigoso. Iria contra o sentimento da sociedade, que exige o esclarecimento profundo e objetivo do ocorrido. E, ademais, comprometeria o futuro político e econômico do Rio Grande que, convivendo com tamanha obscuridade de escândalos não esclarecidos em profundidade, seria condenado a se arrastar nos próximos 30 meses com um governo desmoralizado e politicamente inviabilizado e deslegitimado, incapaz de conduzir o Estado ao futuro.

Idealmente falando, seria desejável conseguir-se poupar o Rio Grande de um processo traumático de responsabilização da Governadora. Mas infelizmente hoje isso se tornou uma imposição devido aos fatos até então impensáveis na nossa cultura e tradição políticas.

A semana, contudo, que passou foi repleta de situações entristecedoras e lastimáveis para o povo gaúcho, acostumado a escrever sua história de modo quase sempre épico. Foi uma semana em que os silêncios abusivos, as versões falaciosas, os falastrões e as mentiras das pessoas indiciadas no escândalo do Detran caíram por terra. A audição de conversas telefônicas revelou em pormenores quais eram e como agiam as quadrilhas.

Por esses dias ficou evidente a coadjuvação do Secretário-Geral de Governo no mínimo como vetor para transmissão de orientações emanadas pela Governadora. Foi também publicada a carta que Lair Ferst, lobista e chefe de uma das maltas, endereçava à Governadora por intermédio do Chefe da Representação do governo gaúcho em Brasília – o mesmo que foi flagrado auxiliando o lobista traficar interesses junto a órgão público e sobre quem a Governadora disse ter “agido corretamente”.

E, finalmente, foi revelado o conteúdo de audiência mantida entre o Vice-Governador e o Chefe da Casa Civil, onde o segundo confessa com naturalidade o entendimento de que a roubalheira do Detran possa ser entendida como fonte de financiamento de uma das “famílias políticas” que apóiam o governo, assim como desvios na CEEE e no Banrisul possam financiar demais grupos partidários.

A reação da Governadora a tudo isso, após longo e perturbador silêncio, foi desrespeitosa com a sociedade, porém indulgente com os integrantes de sua equipe que estão implicados nos escândalos. Isso tudo faz com que a crise avance gravemente. No outro lado da rua do Piratini, a CPI do Detran vai colecionando base probatória robusta que nos faz indagar se não é chegada a hora da abertura de processo de responsabilização da Governadora.

A consciência cívica e republicana que vai se constituindo em paralelo à comoção da sociedade com as notícias, não tolerará arreglos feitos para acobertar o que quer que seja.
É péssimo para o Rio Grande este lodaçal de corrupção e escândalos que a cada dia ganham novas proporções aterrorizadoras. Pior ainda será a subsistência de dúvidas escabrosas que, protegidas e não investigadas em virtude de arreglos duma maioria parlamentar circunstancialmente a favor da Governadora, obrigue o Rio Grande ao atraso, pois a Governadora Yeda Crusius e seu governo estão irremediavelmente descredenciados e desmoralizados para o diálogo público em direção ao futuro do Estado.

No es así

No Página12 de hoje, tem um importante artigo de opinião que analisa com equidistância e equilíbrio a crise na argentina. Vale ler na edição do Página12 …


No es así
Por Alfredo Zaiat
Ya resulta por demás extraño el lockout más violento de la historia del país que se acerca a cumplir 100 días.
Un grupo de empresarios del campo, de las zonas más privilegiadas y ricas de la actividad agropecuaria, protestan por la suba de las retenciones como si estuvieran al borde de la quiebra. No es así.
El Gobierno presenta el conflicto como si sólo una parte no tuviera vocación de diálogo. No es así.
Continuar a leitura do artigo ...

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Buenos Aires

Estar em Buenos Aires sempre é algo gracioso e especial. Sempre que estou aqui tenho a sensação de estar na minha própria casa - na bela e doce capital, Porto Alegre. E, assim, tenho ao mesmo tempo a sensação de estar no mundo. Um lugar adorável, cosmopolita e acolhedor - pra não peder a oportunidade de uma piada provocadora mantendo a ótima amizade com los hermanos, diria que o único ruim são os portenhos.

Buenos Aires à parte a noite interminável que-se-parece-dia com seus cafés, livrarias, shows, cinemas, teatros, música, jazz, blues, poprock, dinamismo humano, tem uma diversidade jornalística de causar inveja. São revistas e jornais diários que deixam a gente babando de vontade de ler tudo. Sempre que venho prá cá, compro as revistas Veintiytrés e Debate. E, por recomendação do Flávio, também passei a comprar a direitista Notícia; por aí se sabe as coisas pelo ângulo do ultra-conservadorismo argentino, que tem um peso político e cultural importante por aqui.

De jornais, compro sempre meu predileto Página12, eventualmente o Clarín e sempre o Barcelona, uma espécie de paródia diáraia da mídia, especialmente do conservador Clarín. Tem outros que também os leio, de cujos nomes não me recordo neste instante em que escrevo estas linhas em meio a um breve intervalo de trabalho.

Duas diferenças que se salientam, ademais da qualidade jornalística e editorial de jornais como o Página12: aqui as assinaturas são algo alienígena, porque faz parte da cultura sair-se de casa para comprar-se jornais nas bancas - os kioskos que estão em todas as quadras - e jornal é jornal, não é um encarte publicitário com 80% de seu tamanho tomado por anúncios e propagandas.

Resumo tudo pra destacar, por exemplo, a edição de ontem do Página12, que apresentava matérias completas sobre a crise entre o governo central de Cristina Kirchner e os agro-conservadores, sobre a criação de polêmico índice para medição de inflação, sobre a caída em desgraça do Charly Garcia, sobre um manifesto escrito por mais de 1.500 intelectuais e ativistas em defesa da democracia, e sobre a presença de Alberto Granado na Argentina para a celebração dos 80 anos del Che e outras matérias escritas com densidade e qualidade informativa.
Sempre é bom estar em Buenos Aires porque aqui, ademais de me fazer sentir em casa e no mundo, tenho a sensação de não estar sendo permanentemente enganado pela imprensa. O que se lê num veículo é o que se lê, e não o que está nas entrelinhas.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Repressão [da braba] nos protestos contra governadora

Desde Buenos Aires, capital dum país onde a crise também é uma tônica - porém nem de perto dramática e comprometedora como a vivida pela Governadora Yeda Crusius - acompanho atentamente os acontecimentos do Rio Grande.

Além das constantes tropelias da Governadora e de sua base partirária de apoio [Jair Soares "caiu" antes de assumir no Gabinete de Transição], a repressão passou a fazer parte do lastimável cardápio de acontecimentos.
Tento acompanhar o que se passa através do
RS Urgente, que comenta e ilustra tudo o que está acontecendo. É deplorável. Veja no RS Urgente ...

Atualizado no título em 12.06.2008

terça-feira, 10 de junho de 2008

Gabinete de Transição: arreglo para evitar impeachment

Jeferson Miola
A idéia da Governadora Yeda Crusius de criar o “Gabinete de Transição” até que se consiga formar um “Gabinete de Governo” de tipo “parlamentarista” com personalidades “acima de qualquer suspeita”, é uma evidência clara de que a situação da Governadora e do governo ficou insustentável.

A Governadora se tornaria então um espectro, enquanto o poder real passará a um condomínio formado pelos principais partidos políticos da direita gaúcha. Este condomínio deverá carregar o espólio dos 30 meses restantes deste que é o governo mais debilitado política e moralmente e sem legitimidade em toda a história gaúcha.

A decisão é também sinal claro de que o conservadorismo gaúcho busca o enquadramento da “sua classe” em torno de um projeto que possa representar a salvação do que resta. Uma coisa é certa: deixar se consumar a queda da Governadora poria muita água no moinho do PT e praticamente asseguraria a vitória eleitoral em 2010 por antecipação. Esse é um divisor de águas que parece ter sensibilizado até mesmo os setores partidários recalcitrantes, que nos últimos dias pendiam entre a posição de ruptura com o governo ou de continuidade crítica na base de apoio.

Da mesma forma que a conjuntura evoluiu aceleradamente e em favor da oposição na semana passada, os últimos dois dias serviram de ponto de partida para a reação dos setores de apoio e sustentação do governo. Nestes dois dias o governo recobrou a capacidade de iniciativa política e de articulação da sua base, mesmo que ao preço da renúncia ampla de poder.

Apesar do rescaldo dos acontecimentos da semana passada, a iniciativa de blindagem da Governadora – um gesto importante de obstrução do caminho do impeachment – altera qualitativamente a conjuntura, desta vez em favor do governo. A governadora ganha, assim, sobrevida na UTI do hospital político.

Mesmo que as condições materiais, documentais e objetivas sejam contundentes para a abertura de processo de responsabilização e impedimento da Governadora, o arreglo do “Gabinete de Transição” é o mais relevante obstáculo a ele transposto. Entretanto, os partidos que tomam parte deste arreglo poderão arcar com elevado custo político. Farão um péssimo inventário ao fim do governo que se arrastará melancolicamente até o fim. Ou então serão tragados politicamente caso a dinâmica política force a abertura do processo de impeachment.

A disputa pela abertura do impeachment não é partidária, porque deve ser uma luta cívica, que deve buscar o alinhamento da intelectualidade, do parlamento, dos movimentos sociais, da OAB, CNBB, Igrejas, ARI, dos Deputados Estaduais e de todos aquelas pessoas que querem recuperar um sentido de decência na política gaúcha. A tarefa primordial é produzir referências objetivas e subjetivas que animem o amplo movimento com tal amplitude e expressão social - única maneira de evitar que a mídia que vem atuando dignamente na repercussão deste episódio, capitule ao arreglo em curso.