sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Yeda, o Coronel Mendes e o colono sem-terra Elton

Durante seu recolhimento de avestruz no Palácio das Hortências em Canela, dentre as raras visitas que a Governadora Yeda recebeu naqueles dias, uma muito intrigante foi a do Coronel Mendes. Vale recordar que o Coronel Mendes, de atuação truculenta, covarde e impiedosa com os movimentos sociais, quando esgotado o prazo legal no Comando da Brigada Militar, foi premiado por Yeda como Juiz [sic] do famigerado Tribunal Militar do RS.

O clima, naquela primeira semana de agosto, era de denúncias da corrupção e do descalabro do governo, acompanhado de manifestações sociais vigorosas, promovidas por organizações civis.

Quando se encontraram em Canela, Yeda e Coronel Mendes devem ter delineado os planos de atuação das polícias, as operações de guerra e as medidas repressivas que seriam adotadas em reação ao cenário desfavorável e de mobilização social intensa. Afinal, é assim que fazem governantes desmoralizados, enfraquecidos e intolerantes com o que lhe é adverso: praticam a violência drástica.

O colono sem-terra Elton Brum da Silva, que fazia parte da ocupação da Fazenda Southall, foi alvejado no peito com tiros de espingarda doze da Brigada Militar. Eltom se tornou, com o drama da sua morte, a primeira e visível vítima fatal do política repressiva inconseqüente delineada por Yeda e o Coronel Mendes.

É absolutamente inaceitável a execução de uma ordem de desocupação de homens, mulheres e crianças com contingentes exagerados e de Polícia de Choque e policiais portando armas e munições letais. Para quê? Se existem munições não-letais, para quê usar as letais, isso se comprovadamente fosse o caso de usá-las? Para quê? Mil vezes: para quê, Governadora Yeda e Coronel Mendes?

O governo Yeda, que matou a moral, a ética e a dignidade da política, acabou de assassinar o colono Elton. Lamento a naturalização que se faz da quebra dos valores democráticos, substituindo-os também naturalmente pela opressão e selvageria oficiais.

A mídia tem parcela importante de responsabilidade nisso. A mídia, que tanto glamourizou o Coronel Mendes como um Rambo heróico e sempre espetacularizou suas ações violentas, deveria ser um vetor de educação democrática, não de sacralização da violência estatal contra o povo como método de contenção numa sociedade civilizada.
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Complemento às 15:55 h: as informações são de que Elton foi morto covardemente, pelas costas e com tiro à queima-roupa.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Carta da Marina ao PT

A íntegra da carta enviada por Marina Silva ao Presidente do PT neste cataclísmico19 de agosto de 2009.
A fidalguia da Marina em todo o processo que vivenciou nos últimos longos tempos de reflexões foi expressa outra vez nesta carta, onde não faltaram lealdade ao PT, reverência à história do PT e agradecimentos a petistas [porém sem menção de agradecimento específico ao presidente de honra {e de fato} do PT sarneyzado, o Presidente Lula].

Caro companheiro Ricardo Berzoini,

Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.

O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi muito ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, profundamente marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do Presidente Lula, em 2002.

Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o Partido dos Trabalhadores. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade. Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.

Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamen te os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida.

Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.

É evidente que a resistência a es sa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas políticas para mantê-las.

Uma parte das pessoas com quem dialoguei nas últimas semanas perguntou-me por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. E chego à conclusão de que, após 30 anos de luta socioambiental no Brasil - com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e as organizações não-governamentais - é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País. Assim como vem sendo feito pelo próprio Partido dos Trabalhadores, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.

Finalmente, agradeço a forma acolhedora e respeitosa com que me ouviu, estendendo a mesma gratidão a todos os militantes e dirigentes com quem dialoguei nesse período, particularmente a Aloizio Mercadante e a meus companheiros da bancada do Senado, que sempre me acolheram em todos esses momentos. E, de modo muito especial, quero me referir aos companheiros do Acre, de quem não me despedi, porque acredito firmemente que temos uma parceria indestrutível, acima de filiações partidárias. Não fiz nenhum movimento para que outros me acompanhassem na saída do PT, respeitando o espaço de exercício da cidadania política de cada mil itante. Não estou negando os imprescindíveis frutos das searas já plantadas, estou apenas me dispondo a continuar as semeaduras em outras searas.

Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos.

Saudações fraternas.

Marina Silva

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O fator Marina

Jeferson Miola

Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar;
Por causa disso a minha gente
Lá de casa se botou a rezar ...

“E o mundo não se acabou”, Adriana Calcanhoto [letra Assis Valente]

Para além da guerra de bugios que domina o noticiário de Brasília, um movimento de grande impacto ganha contorno nos bastidores da política nacional: a preparação da candidatura presidencial de Marina Silva pelo PV.

Enquanto os holofotes se concentram no lodaçal do Senado, a mídia pouco repercute o frisson político gerado por tal hipótese. Mas o clima é o que em física se chama “estado de ebulição”. A razão é ponderável: a candidatura Marina embaralha o jogo eleitoral de 2010, tido até então como a reedição do confronto PT versus PSDB.

A cada dia multiplicam-se as operações políticas visando dissuadí-la da decisão de candidatar-se. Ato, aliás, que implicaria sua saída do PT. Além de afetar eleitoralmente a candidatura Dilma, também teria o efeito colateral de animar a conhecida aspiração de Ciro Gomes, significando mais dispersão eleitoral na base do Governo Lula. O peso real que terá nas eleições, contudo, é incerto e ainda difícil de ser aferido.

Mesmo se não confirmar a candidatura, a mera cogitação de Marina Silva como candidata abre, por si, o debate a respeito da dimensão ecológica e ambiental no desenvolvimento do país. É um debate crucial e inadiável, porque estamos diante duma ameaça concreta à civilização humana em decorrência da devastação acelerada do planeta. Até 2001, cientistas previam que a persistência do padrão predatório de produção e consumo do sistema capitalista ocasionaria importantes catástrofes no mundo nos próximos séculos. Nos últimos anos, todavia, as previsões científicas anteciparam os sombrios prognósticos já para os próximos 30 anos ou até antes deste prazo.

O Brasil não está fora deste preocupante roteiro, porém possui condições privilegiadas em todos os aspectos. O país pode, por isso, liderar a aplicação de estratégias de desenvolvimento sócio-ambiental de efeito exemplar para todo o mundo. Com a consciência, entretanto, de que os conceitos desenvolvimentistas e produtivistas fazem parte do problema, e não das soluções requeridas nesta época de dramática crise civilizacional e de comprometimento da própria existência humana no futuro próximo.

A dimensão ambiental é, cada vez mais e de modo imperativo, indissociável da economia, da cultura, da moral e da política. Por esse motivo, necessita ser incorporada ao raciocínio acerca de uma outra nação, uma outra economia, uma outra cultura e uma nova organização da sociedade. Devem ser inventadas formas aceitáveis de produção e consumo para a satisfação das necessidades humanas com racionalidade e equilíbrio. O capitalismo e as antigas experiências do leste europeu – em verdade duas inteirezas do mesmo equívoco - demonstram-se modelos histórica e humanamente fracassados diante deste desafio.

O melhor dos mundos para o PT é a permanência de Marina. Em qualquer cenário, no entanto, Marina já se tornou o fator diferencial do período. A agenda sócio-ambiental finalmente assumirá a centralidade que nossa época exige. Até por uma questão de sobrevivência.