segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Danielle Mitterrand e o Fórum Social

Jeferson Miola*
Artigo publicado no Jornal Zero Hora em 25/11/2011**  

Era 23 de junho de 2000 quando tivemos o privilégio de conhecer pessoalmente Danielle Mitterrand. Foi num encontro mantido no modesto escritório da Fundação France-Liberté, localizado na Rua de Milan, em Paris. O motivo do nosso encontro com ela: apresentar-lhe o que então ainda era uma ambiciosa ideia e que posteriormente se converteria num poderoso empreendimento da sociedade civil mundial: o Fórum Social Mundial, cuja primeira edição finalmente se concretizaria entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2001 em Porto Alegre.

Naquela viagem, nos dirigíamos a Genebra, Suíça, onde lançaríamos a convocatória mundial do Fórum num evento da sociedade civil organizado no marco da reunião da ONU para avaliar os resultados da Cúpula de Desenvolvimento Social de 1995, o Copenhagen+5. Estávamos, o então vice-governador do Estado Miguel Rossetto e eu, que posteriormente assumiria a incumbência de coordenador executivo do FSM. A passagem por Pa ris com uma brevíssima parada de não mais de 15 horas não foi fortuita. Ali pretendíamos nos encontrar com Danielle Mitterrand com a pretensiosa missão de demonstrar-lhe o imperativo histórico da iniciativa nascente, e receber em contrapartida seu engajamento e seu entusiasmo.

Aquela mulher de posições claras e decididas, com as cicatrizes marcantes de quem testemunhou grande parte do século tenebroso da Europa das guerras, do holocausto e das humilhações, prontamente se associou à convocatória. Um gesto de coerência com toda sua trajetória de vida; uma atitude de confiança no futuro e uma outra prova de abnegação de quem, durante sua vida, sempre se engajou em projetos de mudanças e nas lutas pela justiça social e pelos direitos humanos em praticamente todos os continentes.

Desse modo, numa circunstância nada acidental, Danielle Mitterrand se tornou uma das primeiras personalidades influentes do mundo a emprestar seu n ome e sua imagem à construção do Fórum Social Mundial e às ideias generosas de um “outro mundo possível” que embalaram multidões e ajudaram a construir governos progressistas e de esquerda vigentes hoje em muitos países, principalmente da América do Sul.

Àquela altura da vida, com seus 77 anos de idade, sua biografia já estaria escrita. Ela, uma mulher que na juventude enfrentou corajosamente o nazismo na Resistência Francesa e que depois esteve no centro da política e do poder da segunda potência europeia acompanhando as impressionantes mudanças na Europa do pós-guerra, não precisava provar mais nada na vida. Contudo, com a mesma perseverança e coragem que denunciava a hipocrisia dos costumes e da moral conservadora, prestou um importante apoio à construção do Fórum.

Uma figura assim marcante e singular como Danielle Mitterrand é não só um elogio à vida, mas também a comprovação de que o esforço de constru ção de um mundo libertário, justo e tolerante não pode prescindir dos melhores seres humanos enquanto vivam.

* Jeferson Miola foi coordenador executivo do Fórum Social Mundial, exerce a função de Coordenador da Secretaria do Mercosul em Montevideo, Uruguay

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O PT em Porto Alegre em 2012

Jeferson Miola
1.       Porto Alegre é a cidade que propiciou ao PT realizar a mais rica, a mais original e a mais exuberante experiência de construção política nos anos iniciais de sua afirmação como projeto político de esquerda.
A capital gaúcha foi governada pelo PT com seus aliados consecutivamente de 1989 a 2004. Durante aquela etapa inicial de afirmação do PT e do amadurecimento da sua presença na vida institucional do Brasil, Porto Alegre foi uma fonte de irradiação das principais experiências administrativas, gerenciais e políticas do Partido.
O êxito das gestões petistas explica a transcendência do PT para a cidade, habilitando-o a governar Porto Alegre em quatro dos sete mandatos desde a retomada das eleições diretas nas capitais e nas áreas de segurança nacional [1985]. Não por acaso, dois dos quatro prefeitos do PT posteriormente se tornaram governadores do Rio Grande do Sul.

2.      O PT e Porto Alegre se constituíram numa referência para a esquerda nacional e internacional, um espaço de concretização de políticas emancipadoras e um território de vivência democrática radical e inovadora.
Naqueles tempos neoliberais em que se proclamava a inevitabilidade da globalização excludente, a inexistência de alternativas ao neoliberalismo e o fim da história, o PT processou em Porto Alegre referências estratégicas de grande alcance.

3.      A pertinência e a legitimidade conquistadas pelo PT lhe conferiram um papel central em Porto Alegre. Mesmo quando não venceu as eleições, o PT polarizou o debate acerca do futuro da cidade em acirradas disputas de segundo turno, conquistando praticamente metade dos votos.
Nas eleições de 2012, portanto, mesmo se eventualmente quisesse, seria problemático para o PT se abster de apresentar um programa de governo e um projeto de futuro para Porto Alegre. A eventual decisão de não apresentar-se com candidatura própria não seria bem compreendida e assimilada socialmente. Pela razão de que o PT, mais que qualquer outro Partido, é parte ativa na construção das principais soluções e projetos experimentados na cidade em mais de duas décadas.
Com o PT, Porto Alegre se cosmopolitizou, se preparou para a execução dos importantes projetos desenvolvidos atualmente com apoio federal e assumiu um papel cultural marcante no debate público local e mundial a partir das importantes produções simbólicas e concretas produzidas.
O PT, assim, se tornou parte do imaginário do povo porto-alegrense; uma identificação inegável com a história de Porto Alegre, cuja solidez de vínculo resistiu às mais violentas tentativas de destruição macarthista engendradas contra si.

4.      Uma eventual ausência de candidatura própria do PT somente seria compreensível no caso de viabilidade de aliança eleitoral unitária entre o PT, PDT e o PCdoB [e demais aliados] em primeiro turno, hipótese que se demonstra inviabilizada.
No contexto dos governos presididos pelo PT no RS e no Brasil com Tarso e Dilma, seria desejável concretizar em Porto Alegre uma coalizão do PT com Fortunati e Manuela, cujos partidos integram nossos governos e, mais importante, pertencem a estruturas partidárias fundamentais na constituição de um bloco histórico democrático e popular que se reivindica do socialismo. A realidade política, contudo, indica a inviabilidade deste desejo no primeiro turno das eleições do próximo ano.
O atual prefeito, além de legitimidade, tem a prerrogativa de disputar a reeleição para seguir governando a cidade. A deputada Manuela é detentora de um quinhão eleitoral que lhe credencia a pleitear o cargo em condições competitivas. E o PT, com a experiência e o legado de 16 anos governando a cidade, é não só legítimo como responsável em contribuir no debate eleitoral.

5.      A participação do PT nas próximas eleições não será um mar de facilidades. Para compensar as dificuldades que advirão, se deveria buscar construir uma aliança que confira tempo de TV, competitividade eleitoral e expressão social e eleitoral.
O maniqueísmo anti-PT tampouco tirou férias, e será uma arma poderosa para impregnar de preconceito, de estigma e de acusação hegemonista contra o PT nas próximas eleições. Contra o preconceito e a intolerância, o melhor remédio são a claridade de idéias, a modéstia, a humildade e a desmistificação política.
Mesmo assim, num ambiente difícil e adverso - como, aliás, o PT sempre foi temperado -, existe a possibilidade de vencermos as eleições. E a ambição do PT deve ser a de conquistar Porto Alegre para governá-la novamente. Esta é, inclusive, uma possibilidade plausível e muito realista, que dependerá da qualidade da trajetória eleitoral a ser construída, como aprendemos no processo recente de preparação da vitória do Tarso ao governo estadual.

6.      O PT tem militância, estrutura, tradição, programa, política e candidatos/as potentes para participar das próximas eleições com expectativas positivas de vitória. Alguns aspectos são fundamentais para tanto, e o primeiro deles deve ser a escolha da melhor candidatura.
Uma candidatura que seja a expressão da mais ampla unidade partidária e também da mais fecunda identidade com o povo de Porto Alegre. Um/a candidato/a que conecte a população com a memória das Administrações Populares como referências que positivamente superaremos porque, diferentemente das gestões anteriores quando no Estado e na União estavam os governos neoliberais que se opunham ferrenhamente ao nosso projeto, num eventual futuro governo usufruiremos das condições promissoras de um novo Brasil com Dilma e de um novo Rio Grande com Tarso.
Necessitamos de um/a candidato/a que recupere a narrativa do que foi a invenção do Orçamento Participativo, do PoA em Cena, do Fórum Social Mundial, das grandes obras, dos direitos sociais, dos sistemas e serviços públicos qualificados, do planejamento para o futuro e da visão de largo prazo que prepararam a cidade para receber os investimentos para a Copa do Mundo. Uma candidatura, enfim, que consiga demonstrar aos olhares da gente do presente que, se fizemos o que fizemos diante de governos neoliberais contrários ao nosso projeto, muito mais e melhor poderemos fazer nesta etapa virtuosa do Brasil e do Rio Grande.

7.      A eleição em uma cidade não é somente a projeção de grandes temas ou de variantes estratégicas de futuro, por mais relevantes que possam ser. A eleição numa cidade é o momento no qual se deve demonstrar um profundo conhecimento acerca do seu dinamismo, do seu território, das necessidades do seu povo, do cotidiano, da vida das pessoas humildes, das demandas acumuladas, das tarefas imediatas e também da conexão do cotidiano com um ideal estratégico e de futuro.
Nossa candidatura deve ser a expressão desta espécie de relação intimista e de intimidade com Porto Alegre. Uma candidatura que exprima o conhecimento profundo da cidade, das necessidades da sua gente e das tarefas que poderemos assumir para melhorar a vida das pessoas. Um/a candidato/a, enfim, que palmilhe cada rua, cada beco, cada bairro, cada edifício, cada casebre como se vivesse uma vida aldeã, numa dimensão comunitária plena, de reconhecimento recíproco com seus integrantes e com laços de profunda empatia.
Os processos eleitorais em Porto Alegre ensinaram que a cidade também se manifesta e opina em relação aos temas amplos da política. A cidade que clamava pelo “fora Collor” nas eleições de 1992 foi a mesma que tempos depois nos rechaçou porque reprovava as posturas equivocadas de alguns petistas. Por isso nosso/a candidato/a deve ser, também, alguém cuja biografia seja socialmente identificada com os valores e princípios da ética na política que sempre balizaram a conduta do PT.

8.      Vencer em Porto Alegre não é uma obsessão; é uma possibilidade política realista. É um objetivo político legítimo, decorrente da conjuntura eleitoral que nos obriga a estar lado a lado com nosso povo oferecendo uma visão presente e de futuro para a cidade. E vencer em Porto Alegre seria uma conquista de importância para o PT e para a dinâmica política da esquerda gaúcha e brasileira.
Assim como seria importante vencer em Porto Alegre, igualmente importante será o esforço por preservar e soldar uma aliança duradoura do campo democrático e popular em caso de vitória.
Por isso é importante que nossa candidatura seja portadora desta grandeza exigida, que possua estatura e experiência política necessária à interlocução permanente com nossos aliados ocasionalmente postos em lados distintos. Alguém que tenha reconhecida autoridade política para promover, depois das eleições e, num eventual governo conquistado, a aproximação e a convivência com as forças partidárias do nosso campo político-ideológico de transformação social.
9.      O PT tem candidatos temperados para o exercício desta importante tarefa partidária em consonância com estas exigências. Os ex-prefeitos Olívio Dutra e Raul Pont são, inegavelmente, expressões desta possibilidade. Assim como a companheira Maria do Rosário, que acumulou identidades com a cidade e com o povo porto-alegrense nos representando na eleição de 2008. Cabe ao PT desenvolver um esforço para sensibilizar e comover um desses três valorosos companheiros a experimentar o desafio da conquista de Porto Alegre em 2012.