quinta-feira, 8 de maio de 2008

A desfiliação de João do PT [e o carimbo]

Meu amigo e camarada João R. saiu do PT. Em abril passado se desfiliou na sede do PT de Porto Alegre.

Chamou-lhe atenção o carimbo virado feito acidentalmente no documento de desfiliação pelo funcionário que o atendeu. Segundo João, pareceu-lhe uma metáfora com a situação do PT de hoje: tudo se encerrou num carimbo; um carimbo tão de cabeça pra baixo, tão invertido. Um carimbo tão fora de lugar que, porém, sequer incomodou o funcionário, à vontade com o “descuido”. A metáfora, enfim, serviu-lhe como uma espécie de analgésico a amainar a dor da decisão tomada.

João fez parte do memorável esforço que foi o movimento pró-PT, a partir de 1979. Em 1980, foi um dos filiados fundadores do PT. Ali no PT, ficou nestes quase 30 anos pela paixão e confiança nas políticas e nas idéias de esquerda. Nestes anos todos, nunca pleiteou pra si cargos ou favores partidários, assim como nunca dependeu de arreglos ou aritméticas para sobreviver politicamente ou materialmente. Sempre fez política e militou sem contrapartidas.

João é daqueles “exóticos” – ou alguns prefeririam ortodoxos - que preferem mil vezes a “demora histórica” da construção hegemônica de esquerda e socialista do que a rapidez volátil do pragmatismo que concebe até a coabitação do PP com o PT como fruto da “nova inteligência programática” ou da “exigência dos tempos” eleitorais.

João não faria – como não fez – nenhum alarde com sua decisão; apenas compareceu na sede do PT. A desfiliação dele, ao invés de despertar a ira generosa contra as perdas que se sucedem, só aprofunda o silêncio dum PT que parece querer renegar seu passado e sua história.

Na sua saída amistosa e respeitosa do PT, João mereceria ter recebido mais do que um simples carimbo de cabeça para baixo e o destino dos trâmites burocráticos no TRE. Resignemo-nos à realidade, contudo: o PT se dará conta da sua desfiliação na véspera da próxima ocasião eleitoral interna do Partido, quando então lhe telefonariam para “participar” do PT e da decisão sobre seus destinos.

4 comentários:

maria victoria disse...

Fiquei com vontade de chorar com a tristeza da saida silenciosa do João.
Entendo perfeitamente. Passei por isso e fiquei uns tempos de luto. Depois senti muita raiva e achei que queria brigar mais um pouco, quem sabe . Saí da depressão e continuo no PT. Com críticas e alguma esperança (ai, ai, ai)
Mas sou inteiramente solidária com o João. Dói.
Não sei até quando vou continuar, mas vou tentar.
Um grande abraço João, para vc também, Jefferson,
maria victoria

elektrofossile disse...

É uma perda grande para o PT histórico e combativo a saída de "João". Tive vontade de fazê-lo, há uns tempos, mas as perspectivas são piores fora do partido. No Chile, antes de 73, se dizia "Mierda de gobierno, pero es mio". O capital político, o tempo de investimento político (construção) é muito grande para abandoná-lo assim. Não tenho muitas esperanças de conseguirmos barrar grandes besteiras que aconteçem nele. Por enquanto dá prá aguentar a dor.

Unknown disse...

O João tomou uma coragem histórica que, por muitas vezes, nos falta, porque ainda acreditamos que voltaremos às raízes. Ainda seremos solidários, desapegados de cargos,sofreremos com as injustiças e somente faremos discurso daquilo que verdadeiramente praticamos.
Forte abraço Jefferson
Tito

Galvão disse...

Quando comecei a ler o texto pensei? Esse sou eu. Mas eu continuo filiado ao PT! Só percebi que era sobre outra pessoa quando começou a falação sobre "exóticos”, "ortodoxo", "demora histórica" etc. João, e nós que temos a mesma trajetória, mas não temos a paciência da "demora histórica", do João e do Miola, impedimos que o "Bazar Brasil" continuasse a liquidar a "preço de banana" o patrimônio público. Conseguimos salvar a Petrobras, CEF e BB. Esperamos contar com o João e o Miola para impedir que a direita volte ao poder, e além de doar o BB, a Petrobras e CEF, acabe também com o PROUNI, Bolsa Família, o sistema de Cotas. A não ser que ele seja adepto do quanto pior melhor, como querem o pessoal do PSTU. Não incluo o PSOL porque aquilo, mas parece o exército de Brancaleone.