quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Mensagem de Fidel nas celebrações dos 80 anos

Desde o último 28/11 até o próximo 10/12, mais de mil e quinhentas personalidades, intelectuais, pensadores, ativistas políticos e sociais, amigos, amigas de Cuba e do povo cubano se reúnem em Havana e no interior do país para as celebrações do aniversário de 80 anos do comandante da revolução e do povo cubano Fidel Castro.

As festividades, que incluem concertos, mostras de vídeo, exposições artísticas, encontros, debates e manifestações literárias, foram organizadas pela Fundação Guayasamín, fundada pelo artista e irmão de fé do Fidel, Oswaldo Guayasamín, do Equador.

No dia 02 de dezembro, as celebrações terão um significado especial: nesta mesma data, há exatos 50 anos, em 1956, Fidel e seus companheiros revolucionários - com Che Guevara ao seu lado – desembarcaram na costa cubana a bordo do iate Granma provenientes do exílio no México.

Na seqüência, a mensagem de Fidel aos convidados de todo o mundo que estão em Cuba para as celebrações dos 80 anos do comandante e dos 50 anos do Desembarque do Granma, publicado no jornal cubano Granma:


Mensagem do presidente cubano aos participantes da celebração de seu 80º aniversário

Queridos compatriotas e queridos amigos do mundo inteiro:

Neste período de tempo, trabalhei intensamente para garantir em nosso país o cumprimento dos objetivos do Proclama de 31 de julho.

Agora estamos perante um adversário que tem levado os Estados Unidos a um desastre tal, que, quase com certeza, o próprio povo norte-americano não lhe permitirá terminar seu mandato presidencial.

Ao dirigir-me aos senhores, intelectuais e personalidades prestigiosas do mundo, estava diante de um dilema: não podia reuni-los num local pequeno. Somente o teatro Karl Marx tinha capacidade para todos os visitantes e eu não estava ainda em condições, segundo os médicos, de me defrontar com tão colossal encontro.

Optei a variante de me dirigir a todos os senhores, por este meio. É bem conhecido meu pensamento martiano sobre as glórias e as honras, quando ele disse que cabiam em um grão de milho.

A generosidade dos senhores, na verdade, me espanta. Há muitas pessoas que gostaria de mencionar aqui, mas prefiro não fazê-lo e peço-lhes desculpa por apenas mencionar um nome: o de Oswaldo Guayasamín, uma vez que ele conseguiu sintetizar muitas das melhores virtudes dos que estão aqui presentes.

Ele me fez quatro retratos. O primeiro que pintou em 1961 desapareceu. Busquei por todo lado e nunca o achei. Quanto sofri quando soube a pessoa excepcional que era Guayasamín. O segundo foi em 1981 e ainda é conservado na Casa de Guayasamín na Havana Velha. O terceiro, em 1986, é conservado na "Fundação Antonio Núñez Jiménez da Natureza e do Homem". Quando nos conhecemos, quão longe estávamos ele e eu de imaginar que o quarto retrato seria um presente de aniversário em agosto de 1996.

Quão inspiradoras foram suas palavras quando disse: "Em Quito e em qualquer canto da Terra deixem uma luz acesa, voltarei tarde"

De Oswaldo Guayasamín escrevi um dia, ao inaugurar a Capela do Homem: "Foi a pessoa mais nobre, transparente e humana que eu conhecera. Criava à velocidade da luz e sua dimensão como ser humano não tinha limites"

Enquanto o planeta existir e os seres humanos respirarem, a obra dos criadores existirá.

Hoje, ademais, graças à tecnologia, as obras e os conhecimentos que o homem criou ao longo de milhares de anos estão ao alcance de todos, embora ainda não se conheçam os efeitos que as radiações de bilhões de computadores e telefones celulares terão sobre os seres humanos.

Há poucos dias, a prestigiosa organização Fundação Mundial para a Vida Silvestre (WWF International, por suas siglas em inglês), fixada na Suíça e considerada mundialmente como a mais importante ONG que controla o meio ambiente global, declarou que o conjunto de medidas aplicadas por Cuba para proteger o meio ambiente a tornavam o único país da Terra que cumpre os requisitos mínimos de desenvolvimento sustentável. Isso constituiu uma honra estimulante para nosso país, mas de pouca repercussãomundial, em face do peso de sua economia. Por isso, no passado dia 23, enviei uma mensagem ao presidente Chávez em que disse:

"Querido Hugo:

Ao adotar um Programa Integral de Poupança de Energia, você se converterá no mais prestigioso defensor mundial do meio ambiente.

"O fato de a Venezuela ser o país com maiores reservas de petróleo é de grande relevância e o converterá em um exemplo que levará todos os demais consumidores de energia a fazerem o mesmo, poupando quantias avultadas de investimento.

"Ao igual que Cuba, produtora de níquel, mobiliza recursos de bilhões de dólares para seu desenvolvimento, a Venezuela, com suas exportações de combustíveis, poderia mobilizar trilhões de dólares.

"Se os países industrializados e ricos conseguissem o milagre de reproduzir no planeta, daqui a várias dezenas de anos, a fusão solar, depredando antes o meio ambiente com emanações de combustíveis, como será que os povos pobres, que constituem a imensa maioria da humanidade, poderão viver nesse mundo.

"Até a vitória sempre!"

Por último, queridos amigos que tiveram a imensa honra de visitarem nosso país, despido-me com profunda dor por não ter podido agradecer-lhes pessoalmente e abraçá-los. Temos o dever de salvar nossa espécie.


Fidel Castro Ruz

28 de novembro de 2006

Mídia entorpecente

Jeferson Miola, integrante do IDEA – Instituto de debates, estudos e alternativas de Porto Alegre - jmiola@uol.com.br

Finalmente a imprensa gaúcha é forçada a noticiar a verdadeira situação administrativa e financeira em que o Estado do Rio Grande do Sul está sendo deixado pela mesma composição partidária que assumirá o comando do governo gaúcho em 1º de janeiro próximo, entretanto com Yeda-Feijó em lugar de Rigotto-Holfeldt.

Durante os últimos quatro anos o governador Rigotto foi protegido por uma cobertura parcial e conivente de toda a grande mídia gaúcha – desta feita, não só do grupo RBS – que ocultou da sociedade a grave crise tanto da administração pública como da economia gaúcha.

É ululante dizer que faltou compromisso analítico e independência à mídia local para identificar os nexos de causalidade entre esta realidade de colapso econômico e administrativo do Rio Grande e o fracassado modelo implementado, com aumento indiscriminado de impostos, Fundopem concentrado para mega-empresas, manutenção de privilégios, abandono de estratégias de desenvolvimento, sucateamento da UERGS e da educação profissionalizante. A situação das finanças públicas do Rio Grande é gravíssima e vinha sendo denunciada em vão pela oposição nos últimos três anos, mas somente agora é revelada na sua dramaticidade real. Na eleição, porém, foi categoricamente desmentida por Rigotto com a complacência da mídia.

A ausência de compromisso crítico e independente da imprensa esterilizou o verdadeiro debate público que o Rio Grade deveria ter realizado em busca de alternativas para o desenvolvimento regional diante dos formidáveis estímulos criados pelo governo Lula, que aportou recursos, investimentos púbicos e privados como não ocorreu no Estado nas últimas duas décadas.

Ao contrário disso, a discussão da crise foi editorializada para não favorecer o PT e o sentimento oposicionista na população. Prevaleceu a tese simplista de atribuir peso absoluto ao clima e ao câmbio pela determinação da crise, abstraindo os equívocos e as responsabilidades do governo estadual e das forças conservadoras cujas opções de governo atrasam o Estado. Essas duas variáveis atravessam os tempos, e nem por isso impediram o crescimento do Estado durante os governos de Alceu Collares e de Olívio Dutra, mas foram tratadas como fatalidades incontornáveis para o governador Rigotto.

Diante da exposição pública do descalabro do Estado – mesmo porque não há que temer riscos eleitorais porque a eleição já passou – a mídia fica obrigada a publicar esta realidade. E o faz, contudo, desde uma perspectiva fragmentária e alienante, dificultando a compreensão totalizante pela população e o conhecimento, por exemplo, de que uma única empresa abocanhou hum bilhão de reais em benefícios fiscais.

Diante das fragilidades já expostas pela governadora eleita, a transferência da responsabilidade da crise gaúcha para o governo federal poderá fazer parte do cardápio da mídia gaúcha, que ao invés de informar e instruir a sociedade, entorpece mentes e consciências, da mesma maneira que faz a grande mídia monopolista do país. Aquela, foi derrotada juntamente com o conservadorismo tucano-pefelista.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Equador: política latino-americana num país dolarizado

Jeferson Miola, integrante do IDEA – Instituto de debates, estudos e alternativas de Porto Alegre - jmiola@uol.com.br


Rafael Correa, que integrou a frente de esquerda na disputa à eleição presidencial do Equador, derrotou o direitista Álvaro Noboa, o empresário mais rico do país que foi apoiado pelo governo norte-americano nas eleições.

O Equador é um país marcado pelo conflito político que é intrínseco aos países que adotaram o [des]ajuste neoliberal. Em apenas 6 anos, três presidentes neoliberais do Equador foram pacificamente depostos ou tiveram seus mandatos encurtados após levantes populares. A deposição de governantes neoliberais se tornou um fato corriqueiro na América Latina desde os anos 1990, em que os adeptos do Consenso de Washington não só foram derrotados, como também implicados em processos penais ou fugidos dos próprios países – Salinas do México, Fujimori do Peru, Pérez da Venezuela, Menem da Argentina.

No Equador, o último a ser deposto foi o então “nacionalista” Lúcio Gutierrez, um coronel do exército que foi eleito presidente com o apoio da esquerda política e social e das populações indígenas, que representam praticamente a metade da população do país. Logo no início do mandato, Gutierrez iniciou a aplicação de medidas anti-populares e anti-nacionais, culminando com a adoção do dólar como moeda oficial do país e a realização de acordo bilateral de livre comércio com os EUA. Da empolgação militante à desesperança foi um passo, e o Equador se tornou mais um exemplo do fracasso das experiências neoliberais do continente. Por isso, abrigou o primeiro Fórum Social das Américas, em julho de 2004, realizado na capital Quito.

A eleição de Rafael Correa, da Aliança País, envereda o Equador para o caminho da soberania e da auto-determinação. É a retomada de uma hipótese de desenvolvimento com sustentabilidade a partir das vocações próprias do país, que possui riquezas de subsolo [principalmente petróleo], forte inclinação agrícola, rica produção cultural, costa litorânea no oceano pacífico, integração amazônica e forte potencial turístico.

Rafael Correa antecipou alguns nomes que constituirão o governo central, e dentre eles há de se destacar a presença de Alberto Acosta [crítico da dolarização], Gustavo Larrea [dirigente de esquerda], Ricardo Patino [crítico do pagamento da dívida], Carlos Pareja Yanuzzelli [revisor de contrato lesivo firmado com empresa norte-americana, que acarretou a suspensão do tratado de livre comércio com os EUA]. É de se esperar a divulgação de outras representações que integrarão o governo de Correa, como do Pachakuchi [partido indígena de esquerda].

No país da economia dolarizada, a política pendeu para os ventos esquerdizantes que sopram em toda a América Latina, o que é mais um assombro para George W. Bush Júnior – o Mister Danger, como costuma se referir a ele o presidente Hugo Chávez. No último ano e meio, Bush amargou a derrota eleitoral de seus aliados na Bolívia, na Nicarágua, no Brasil e no Equador. Só não perdeu no México mediante uma escandalosa fraude contra López Obrador, o que cria um ambiente de instabilidade e de sério conflito.

No próximo final de semana, o calendário eleitoral de 2006 no continente se encerrará com a vitória de Hugo Chávez para o exercício de um novo mandato na Venezuela, dando mais um passo decisivo dos povos latino-americanos para a continuidade da erosão do império e do imperialismo.

sábado, 25 de novembro de 2006

Fórum na Bahia: efeitos colaterais do neoliberalismo

A guerra faz muitas vítimas. Diz-se que a primeira vítima de uma guerra é a verdade. Na última guerra eleitoral, a verdade foi alvejada por uma propaganda eleitoral que mistificou a figura e a trajetória da governadora eleita e que tratou o passado da candidata de forma mítica, comparando-a a Anita Garibaldi e Ana Terra [sic]. Biruta do Sul tratou disso em artigo divulgado em 26 de outubro passado – disponível aqui para leitura.

A guerra também produz muitos efeitos colaterais, cujas marcas ficam para sempre. A última guerra eleitoral gaúcha teve como efeito colateral imediato a transferência do Fórum Social Mundial para a Bahia. Em 2009, quando se reunirá novamente de maneira centralizada numa única edição mundial, o evento poderá ser realizado no Brasil - mas não mais em Porto Alegre, conforme antecipado por Biruta do Sul nas postagens “Fórum Social Mundial de 2009 na Bahia” e “Neoliberalismo espanta Fórum de Porto Alegre”.

Quando todas as verdades escondidas nas eleições forem reveladas, e quando se evidenciarem todos os efeitos colaterais do neoliberalismo de Yeda-Feijó, os sinais então já serão de dias muito difíceis no Rio Grande do Sul.

Charge escrita

Tom Zé já disse que não faz música, mas "jornalismo [e de vanguarda, acrescentamos] cantado". Poderia ser dito que Gilberto Maringoni, um cartunista de nascença e jornalista de ofício, não desenha charges, as escreve. Esta é a sensação que se fica ao ler o excelente artigo dele na Carta Maior - Não se sabe como presidente passará faixa ao sucessor - cheio de metáforas, paródias e insinuações. Coisas do grande Maringa.

Deixa o hôme falá!



sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Fim da lei de caducidade no Uruguay

O vizinho-irmão Uruguay deu um passo decisivo na semana que se encerra: concluiu o julgamento e determinou a prisão do ex-ditador Juan María Bordaberry, o primeiro a comandar o regime militar daquele país.
No semanário Brecha, pode ser lida a matéria de Samuel Blixen, Presente y futuro de los victimarios - Un pueblo agradecido:
"Juan María Bordaberry es el primer mandatario civil latinoamericano castigado con prisión por su responsabilidad en delitos de lesa humanidad como consecuencia de la imposición de una dictadura. Otros dictadores, como el argentino Jorge Videla y sus colegas de las juntas, marcharon a la cárcel, pero eran militares, exponentes de esos “profesionales del orden” que quebraron las instituciones haciendo el trabajo sucio de poderosos intereses. ...."

Os significados da ação declaratória contra Brilhante Ustra

A ação declaratória impetrada pela família Teles junto com Maria Criméia contra o coronel da reserva Brilhante Ustra [postagem anterior] tem a dupla importância de i] produzir no Brasil um novo paradigma para o julgamento dos crimes cometidos durante a repressão em alternativa ao silêncio imposto pela Lei de Anistia de 1979; e ii] de colocar o Brasil no roteiro de punição aos torturadores, como vem acontecendo em vários países latino-americanos que buscam uma reparação histórica.
A este respeito, vale ler a entrevista de Flávia Piovesan a Paulo Henrique Amorim, no blógue Conversa Afiada, que pode ser lida clicando aqui. No Estadão de ontem, a mesma professora de direito da PUC-SP concedeu entrevista no mesmo sentido.

Julgar torturadores e reescrever a verdadeira história

Jeferson Miola, integrante do IDEA – Instituto de debates, estudos e alternativas de Porto Alegre - jmiola@uol.com.br

A historiografia de um povo e de um país não pode obscurecer os elementos factuais que dela fizeram parte, mesmo que causem vergonha e exponham as mais profundas dores, feridas e traumas.

Para o povo alemão, por exemplo, o compromisso com o completo esclarecimento das atrocidades nazistas cometidas contra a humanidade há mais de 60 anos, é uma questão de Estado e de educação cívica e ética. Cada descoberta e cada nova verdade sobre as práticas nazistas ampliam a consciência alemã - e internacional - sobre a liberdade, os direitos e a tolerância e, principalmente, ajudam a catalogar a barbárie nazista como parte do inventário de um passado trágico que não mais se repetirá.

Na América do Sul, nos anos 1980-1990, as transições liberais-conservadoras das ditaduras militares para regimes democráticos contemplaram a concessão de anistias para os agentes de Estado que praticaram ações terroristas contra ativistas de esquerda e contra a população em geral. Essas democracias já nasceram, por isso, em dívida com a verdade, com a justiça e com a história – impuseram ilegitimamente um ponto final sobre o passado cruel e sangrento.

Com processos e tempos distintos o Chile, a Argentina e o Uruguay reabriram esse capítulo tenebroso das respectivas ditaduras militares e dos bárbaros crimes cometidos pelos agentes de Estado contra os militantes políticos. De acordo com a realidade de cada país, os torturadores – ex-ditadores, policiais, colaboradores civis e militares - estão sendo legalmente julgados e condenados pelos atos praticados no passado.

No Brasil, uma inédita ação cível impetrada pela família Maria Amélia e César Teles junto com Maria Criméia – todos ex-presos políticos – contra o torturador e hoje coronel aposentado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, quebra o silêncio imposto e pode representar um novo paradigma para o julgamento dos crimes da repressão no Brasil.

A ação judicial tem caráter declaratório e busca o reconhecimento dos danos sofridos à integridade física, moral e psicológica, e também quer reconhecer Brilhante Ustra como torturador. Adotando o codinome de Doutor Tibiriçá, Brilhante Ustra foi um dos piores algozes do regime e comandou o DOI-CODI em São Paulo durante o mais duro período do governo Médici.

A reabertura da discussão sobre os crimes da ditadura é componente essencial do reencontro do povo brasileiro com seu passado e com a projeção de um destino livre de arbítrios e violências contra a liberdade e a justiça.

Acusar a esquerda de vingativa e revanchista por defender a condenação legal dos crimes e dos criminosos, é tão infame quanto apagar a memória sobre a barbárie cometida. Continuar impondo ao Brasil o silêncio sobre os acontecimentos do passado equivale a amputar o direito do povo brasileiro à história e à verdade.

As gerações presentes não têm o direito de apagar da memória a crueldade praticada contra gerações passadas, deixando impunes aqueles que cometeram tantas atrocidades. Filmes honestos como Crônicas de uma fuga [2006], Kamkatcha [2003] e Zuzu Angel [2005] ilustram dolorosamente a crueldade dos torturadores, e não deixam nossa consciência em paz com um silêncio que também pode ser criminoso.