Jeferson Miola
A eleição de Porto Alegre não acontece sobre uma página em branco. Porque nas duas últimas décadas, o PT e os partidos aliados da Frente Popular governaram a cidade durante 16 anos consecutivos, até 2004. E o outro candidato, que também disputa a eleição, é o atual prefeito que sucedeu o PT em 2005 e vem governando a cidade há três anos e meio.
Mesmo que o PT optasse por ocultar ou relevar a monumental evidência de que é a tradição política que mais contribuiu para definir o que a cidade é hoje, isso seria impossível. Todos os moradores de Porto Alegre com condição de voto experienciaram, em distintos graus, as administrações municipais do PT e da Frente Popular.
Os eleitores de 16 anos, por exemplo, conheceram, tiveram contacto, foram tocados ou beneficiados pelas políticas públicas produzidas por, no mínimo, 12 anos de Administração Popular. E todos os eleitores com idades a partir dos 20 anos, experimentaram todos os 16 anos de governos da Frente Popular de 1989 a 2004.
Nos governos do PT foram realizadas as principais obras infra-estruturais e viárias, de recuperação do Guaíba, de inovação do transporte público, de universalização de direitos sociais, de reinvenção cultural e de construção das maiores conquistas civilizatórias e cosmopolitas da cidade, como o Orçamento Participativo, o Porto Alegre em Cena e o Fórum Social Mundial, para relembrar apenas algumas delas.
Em diferentes níveis, planos, tempos e intensidades, o povo de Porto Alegre conhece os governos do PT e, se provocado, puxa da memória uma opinião ou expressa uma sensação a respeito desses governos. O PT faz parte da vida pública, política, cultural e administrativa de Porto Alegre; é parte constituinte da mais rica história da cidade. O PT pertence ao imaginário do povo de Porto Alegre, porque ele, mais que qualquer outro partido político, esteve diretamente envolvido com as mais importantes produções simbólicas e concretas de dezesseis dos últimos vinte anos da cidade.
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Os três primeiros mandatos da Administração Popular sempre obtiveram índices elevados de aprovação na sociedade, devido ao êxito das políticas públicas e de desenvolvimento aplicadas. Mesmo a última gestão à frente da Prefeitura [2001/2004], quando foram enfrentadas sérias restrições orçamentárias e dificuldades gerenciais, e que a população cobrou o preço pelas disputas políticas equivocadas do PT, ainda assim metade da sociedade aprovava a Administração Popular.
Não é presunçosa a constatação, portanto, de que até o mais prejudicado dos quatro governos do PT em Porto Alegre foi anos-luz melhor que o governo do condomínio conservador de José Fogaça. Com uma administração pálida, esquálida, sem realizações e sem vigor, o governo atual do município atingiu maiores índices de aprovação somente no período da propaganda eleitoral. Isso porque, durante o debate do primeiro turno, o candidato oficial navegou em águas calmas e não foi sequer contestado em relação às falácias e baboseiras ditas nos programas de rádio e televisão.
Criou-se assim uma situação sui generis, em que o candidato Fogaça obteve uma votação muito superior [43,84%] aos índices de aprovação do seu governo, que orbitavam na casa de 31% até meados do ano. O prefeito conseguiu, em três meses de campanha eleitoral, constituir uma imagem administrativa e política positiva que não havia conseguido estabelecer em três anos e meio de governo ridículo.
Com os votos e percentuais colhidos no primeiro turno pelo atual prefeito, e com a diferença aferida em relação a Maria do Rosário, seria plausível concluir-se que, para perder a eleição, o atual prefeito precisaria cometer erros graves, que não cometeu no primeiro turno. Mas também não seria absurdo supor-se que o acerto no padrão de campanha no segundo turno, de parte da candidatura Maria do Rosário, poderia alterar esta tendência então mais provável. Para o PT, na realidade, não resta outra alternativa senão mudar drasticamente a estratégia da campanha, para ambicionar vencer as eleições.
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Tenho, de maneira empírica, a convicção de que ainda seria possível – neste caso, dramaticamente possível – virar-se o jogo eleitoral com um giro radical do padrão da campanha; mesmo considerando-se a enorme dificuldade que representa virar-se os votos de quem votou no Fogaça no primeiro turno.
Um pressuposto para isso é que o voto em Fogaça nas camadas baixas e médias-baixas foi um voto sem consistência, volúvel, não-cativo, não-partidário, não-doutrinário. Um voto de tipo inercial no/do situacionismo; irrefletido, não-confrontado com a realidade. Nas alegações dos eleitores do Fogaça destes extratos sociais para justificar o voto nele, os argumentos são superficiais e, como não estão intoxicados por sentimento de ódio ao PT, naturalmente aceitam como verdadeiros os contra-argumentos que lembram que os governos do PT melhoraram a própria vida mais do que o governo Fogaça.
No exercício do voto, muitas vezes o povo não elabora sua opção cognitivamente, mas pelas influências simbólicas imediatas que recebe e registra. O voto, principalmente nas camadas mais populares, não é a resultante coerente de análises políticas sofisticadas e complexas. A presença potente de símbolos, imagens e códigos – como fez o Fogaça no primeiro turno – e a ausência de política, de contra-símbolos, contra-imagens e novos códigos – como fez a campanha do PT – favorecem quem está no governo.
Os eleitores do Fogaça, para construir uma nova razão, uma razão política consciente, precisam ser provocados a cotejar os “tempos do PT” com o governo do Fogaça. Devem ser lembrados de que nos governos do PT, “não faltavam antibióticos nas farmácias do SUS, nos plantões e nos postos de saúde”, como faltam agora. Antes do PT, se morava em becos “sem luz, sem água, sem calçamento e sem esgoto”. Antes do PT, as famílias não podiam “trabalhar porque não existiam creches para deixar os filhos”. Depois que o PT assumiu, “os passageiros passaram a ser respeitados, foram criadas novas linhas e se passou a andar em ônibus novos e confortáveis”. Foi nos governos do PT que “o Fórum Social Mundial foi criado e realizado, e depois que o PT saiu do governo o Fórum Social nunca mais voltou para Porto Alegre”.
É necessário que a campanha da Maria do Rosário promova de maneira pedagógica a confrontação das experiências concretas de governo que se desenrolaram aqui em Porto Alegre, não em Belo Horizonte ou em qualquer outro lugar do país. O patrimônio de cumplicidade e intimidade construído em dezesseis anos tem de ser evocado para a obtenção de novo voto de confiança no partido que conhece a cidade, fez bem para a cidade e que pode recuperar o papel avançado de Porto Alegre no futuro e no cenário nacional e mundial.
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Na disputa da eleição, confrontam-se projetos, programas, realizações, biografias e as alianças sociais e partidárias de cada candidatura. Com Maria do Rosário, está o campo democrático e popular autor, junto com o PT, da grande obra de construção de Porto Alegre até 2004. Com Maria do Rosário está o Presidente Lula e o potencial que a relação amistosa e companheira representa para catapultar Porto Alegre no plano econômico e social a partir das políticas virtuosas em desenvolvimento no país. Com Maria do Rosário estão a maioria dos prefeitos eleitos na Região Metropolitana de Porto Alegre, com os quais ela poderá, a partir finalmente de um ambiente regional propício e em diálogo com o Governo Lula, empreender políticas metropolitanas - na saúde, nos transportes, na educação, de emprego - que beneficiarão enormemente a população de Porto Alegre.
Ao lado de Fogaça está o pior do reacionarismo político gaúcho. Com ele estão os partidos conservadores que, nos últimos seis anos, têm destruído os avanços e conquistas cidadãs tanto em Porto Alegre como no Rio Grande do Sul. A base partidária de sustentação de Fogaça é a mesma da governadora Yeda. E eles se juntam não para fazer algo a favor de Porto Alegre e do Rio Grande; porque eles não têm planos de futuro para o Estado e sua capital. Eles sempre e somente se juntam para derrotar o PT; o plano fundamental que têm é de derrotar o PT, não é um plano de governar. Com o Fogaça está, por exemplo, o PPS do velho e manjado ex-governador Britto e sua turma, que faz oposição feroz e odiosa ao Presidente Lula. Não por acaso o principal secretário de Fogaça e Yeda, o César Busatto, “ricuperamente” sumiu no período eleitoral - logo ele que confessou em detalhes a maneira escabrosa como agem os partidos que estão com o prefeito e a governadora.
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A crítica política contundente e leal não é pecado na política, menos ainda numa eleição. Para o PT de Porto Alegre, que alcançou a condição de disputante do segundo turno eleitoral, a simples atitude propositiva não assegura a eficácia necessária para vencer a eleição. É fundamental a militância nas ruas, nas vilas, visitando casa por casa e levando a memória das realizações do PT e os projetos para o futuro. E é super essencial um combate político, simbólico e programático duro para desconstituir o atual prefeito, que faz um dos governos mais medíocres da história de Porto Alegre.
Vencer é derrotar o adversário, para isso desmistificando-o perante o povo. Fogaça soçobra a qualquer debate sério e metódico. Ele se desmancha quando confrontado com nossa experiência e a realidade. Parafraseando as palavras de Marx no Manifesto Comunista, “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano, e os homens finalmente são levados a enfrentar (...) as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos”.
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Dedicado ao querido Pilla Vares, um artífice e co-inventor desta generosa obra que foi a Administração Popular de Porto Alegre.
6 comentários:
Eu sempre penso que os porto-alegrenses quando provocados elaboram mais que quando não. O voto da inércia é o voto de quem nem se deu ao trabalho de pensar no assunto. Como diria o companheiro Raul Pont, as pessoas só não votam no nosso programa quando a gente não explica direito! Por isso, nossa campanha tem de polarizar, confrontar projetos, desmentir o adversário, mostrar quem está por trás da Mária do Rosário (a Frente Popular e as nossas 4 administrações), versus quem está por trás de Fogaça e seus aliados, Fogaça há 4 anos do PPS e Fogaça agora do PMDB. É uma boa luta pra se fazer, que calca o futuro da cidade no seu passado e nos 4 anos em que não estivemos na sua gestão.
Miola, assino embaixo do que escreveste. Hoje, quando falei contigo rapidamente, não tive a possibilidade de manifestar exatamente este sentimento em relação a falta de confrontação do que o PT fez quando foi governo e o que o prefeito atual fez na sua insossa administração, inclusive avocando para si obras que ele teve apenas o privilégio de entregá-las à população.Devemos, portanto, partir para o confronto e mostrar a todos, quem realmente foi melhor para Porto Alegre.
Demorôôôô! Finalmente alguém dizendo verdades sensatas e temperando a política.
Olá, estou fazendo uma pesquisa. Você é de Porto Alegre? abraços
Lendo teus escritos, lembro de algo que me chama atenção nestas eleições de 2008.
Falar de política não é o meu forte, mas arriscamos ou rabiscamos... Neste pleito eleitoral tenho percebido a “crise” de identidade em relação a representação dos candidatos dos diferentes partidos políticos.Os candidatos em suas “aparições” tem número, mas pouco se vê de seu Partido, de onde vêm. A serviço de quem estão mesmo? Quem eles representam? A que se considerar a importância das coligações mas, e a identidade, por onde anda?
Para se falar em ações e importantes realizações, como tu colocas é preciso falar de processo histórico (que implica em construção, que significa erros e acertos, em se tratando de governos e humanidades, a de se ter grandes e sublimes ideais), e então sim da história e feitos do Partido dos Trabalhadores na Prefeitura de Porto Alegre para o mundo, com certeza (com a ousadia dos que acreditam e buscam seus sonhos).
Mas e, nossa trajetória atual como fica? Essa “história”de governabilidade tem suas fragilidades, parece que para aqueles que continuam acreditando que é possível o cuidado deve ser redobrado, atento, para que nosso olhar continue enxergando estrelas, mesmo que seja através das nuvens, pois estas são passageiras.
Ana
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