A França, a velha e exemplar França que desde séculos ilumina o mundo com as luzes da liberdade, da igualdade e da fraternidade, já não vem conseguindo emitir os mesmos sinais reluzentes do passado.
Aquele país da Revolução Francesa, da Marselhesa, da Resistência ao nazismo e, menos remotamente, a França do Maio de 68, parece confirmar seu ocaso diante da onda de direita que assoma também em outros países europeus.
A eleição do direitista Nicolas Sarkozy na França expõe de maneira ainda mais clara o atual contraste entre os contextos sócio-políticos da Europa e da América Latina. Enquanto no continente latino-americano fervilham experiências de governos progressistas e de esquerda, na Europa as tensões e insatisfações sociais não têm se traduzido automaticamente em avanços políticos e eleitorais para a esquerda partidária. Ao contrário e contraditoriamente, a crise no velho continente tem beneficiado as tradições ideológicas da direita – em alguns casos os setores mais xenófobos.
A situação eleitoral que se desenha na Inglaterra não se afasta desse marco geral, com a tendência de desfecho favorável ao conservadorismo mais duro em substituição a Tony Blair, em que pese as razões para o esgotamento da política pseudo-socialdemocrata serem de recorte crítico e progressista, como as questões sociais, de emprego e a forte crítica à participação inglesa na guerra do Iraque.
A terceira derrota presidencial sucessiva que sofre o Partido Socialista Francês [PSF] desde 1995 – quando não fez a sucessão ao governo Mitterrand -, produzirá profundas mudanças na agremiação. Sob outro ângulo, a derrota do PSF, assim como a iminente dos trabalhistas ingleses, acelera o enfraquecimento dos setores tidos na Europa como de esquerda [mais devido à nomenclatura adotada que aos programas: socialistas, trabalhistas, verdes, social-democratas, etc], que ao longo das experiências nos governos executaram essencialmente planos neoliberais.
De outra parte, o conjunto dos agrupamentos da verdadeira esquerda – na Europa designada como esquerda radical – alcançou ao redor de 10% nesta eleição na França. Este setor antineoliberal que se referencia no ideário do Fórum Social Mundial teve um crescimento de 30% em relação à última eleição francesa, tendo como grande revelação o jovem carteiro de 33 anos,
Mais além da legítima preocupação com o ascenso de um reacionário ao governo francês, é preciso enxergar o processo em curso sob outro ângulo que ajude a desvelar o fenômeno europeu da perda de influência dos partidos políticos centristas que convergem à direita para se transformarem em sócios bastardos do neoliberalismo. A esquerda francesa, herdeira legítima do Maio de 68, se souber atualizar seu programa e ampliar a audiência na sociedade sem perder a identidade, poderá acumular forças e energias para se tornar opção real de poder democrático e popular em médio prazo.
Na América Latina avançam projetos que poderão fazer avançar o processo de integração continental no rumo de importantes mudanças geopolíticas. Esse é o espírito de iniciativas como a Alternativa Bolivariana para as Américas – ALBA e o Banco do Sul, por exemplo. É com a radicalização de projetos democráticos e populares em cada país latino-americano e na consolidação de uma América integrada e livre que poderemos inflamar o velho continente com as melhores aspirações de mudanças pela esquerda.
3 comentários:
Grande Jeferson,
Não tenho os dados, porém parece que a extrema direita xenófoba (Le Pen), que vinha crescendo eleitoralmente, deu uma estacionada. Será que a "classe média" francesa compareceu em massa (mais de 85%) para apoiar um governo de centro-direita que poderia efetivamente exercer pressão sobre o fluxo migratório? Qual tua opinião?
Abraço
Omar
Jeferson, acho que a França vive muito mais da fama da Revolução Francesa e do Maio de 68 do que aquilo que ela realmente é: um país conservador e, até pouco tempo, colonialista. A participação dos franceses, na segunda guerra, foi dúbia e quando se fala em resistência aos nazistas, isso é exposto num contexto amplo, como se toda a França tivesse resistido, o que não foi verdade. Esta foi uma resistência dos comunistas e que só não tomou o poder, porque o direitista-nacionalista De Gaulle e os norte-americanos, seguraram a ajuda necessária para garantir essa vitória. Enquanto os maqui se degladiavam, em franca desvantagem, com as tropas nazistas, a polícia gaullistas prendia judeus e os entregava a estes. O próprio De Gaulle não ficou na França comandando a resistência na clandestinidade. Fugiu para a Argélia e só voltou, quando a Alemanha já estava em franco recuo na Europa e a possibilidade da vitória estava garantida. Terminada a guerra, a França continuou exercendo o seu imperialismo na Indochina até 1954, saindo de lá derrotada pelo Gen. Giap. E da Argélia saiu no início dos anos 60, depois de uma campanha militar, onde se fez uso da tortura como estratégia de combate. Isso está muito bem explicitado no filme A Batalha de Argel do Pontecorvo. Então, essa imagem de país libertário que a França tem, está muito mais na fantasia de uma igualité, fraternité e liberté do que uma liberdade factual. É evidente que a Revolução Francesa e o Maio de 68 foram marcos na luta contra a opressão, mas não abalaram significativamente o conservadorismo francês. Sarkozy, ao afirmar que a França não tem nada a ver com as misérias da África, soa como música aos ouvidos do conservadorismo europeu, mesmo sabendo que a Europa, até um passado bem recente, desestabilizou econômica. política e humanitariamente aquele continente. E esta é uma tendência que recrudescerá em toda a Europa, na medida em que as contradições do neoliberalismo forem se aguçando.
Caro Eugênio, concordo inteiramente com tuas observações. A citação dos “atributos franceses” foi unicamente para ilustrar que a França, que empolgou o mundo em outras épocas – vista nas condições específicas e concretas de cada época -, já não é a mesma. O que não significa desconhecer a natureza contraditória de cada um dos processos referidos, que ainda são mundialmente marcantes sob o ponto de vista histórico.
Tampouco tive intenção de atribuir uma condição de eterna fonte revolucionária à França, que a muito tempo adernou à direita e nesta eleição acentua um movimento ideológico que é, infelizmente, comum a muitos países europeus.
Abraços
Postar um comentário