Por Jeferson Miola, integrante do IDEA – Instituto de debates, estudos e alternativas de Porto Alegre
A direita brasileira subiu muito o tom dos ataques vis que vinha desferindo contra o PT e o governo Lula. E na mesma proporção da sua vilania política, perde o pouco que tinha de compostura, pondo a nu sua natureza histórica autoritária e preconceituosa.
As razões para o desespero e o descontrole político dos setores conservadores são evidentes: no horizonte eleitoral se fortalece a hipótese de vitória reeleitoral de Lula no primeiro turno e, ao que tudo indica, o PT preservará muito da sua representação parlamentar federal.
O conservadorismo brasileiro, articulado organicamente em torno do PSDB e PFL, tem apelado para um perigoso terrorismo verbal que não hesita em apregoar a adoção de saídas golpistas para uma crise cuja fantasiosa existência só é concreta no imaginário dos próprios incendiários da situação.
O repertório da violência política perpetrada é de tal contundência que, se não estivesse o Brasil em pleno estado de estabilidade democrática, se correria o risco de uma ruptura institucional. Não se pode desprezar os valores em disputa, que transcendem a simples eleição presidencial. A direita do país tem a consciência de que perdeu muito e perderá ainda mais com a continuidade de um projeto de governo nacional fora do seu raio de influência e distanciado da inserção internacional subordinada ao capital financeiro e ao governo norte-americano.
Ainda que aqui não seja o objetivo inventariar o conjunto das situações e opiniões proferidas por lideranças e intelectuais ligados ao PSDB e ao PFL, vale relembrar algumas passagens mais significativas:
[i] as declarações de índole fascista e racista do Senador Bornhausen, de que seria bom para o Brasil “a extinção da raça de petistas por pelo menos 30 anos”;
[ii] as ofensas histéricas e de caráter pessoal contra o Presidente Lula, feitas de maneira sistemática e sem a mínima comprovação pelo Senador ACM;
[iii] a associação do PT ao PCC, feita por José Serra e o reincidente Jorge Bornhausen, posteriormente repetida por outros dirigentes públicos do governo de SP quando de novos atentados da organização criminosa;
[iv] contagiado pelo surto de Bornhausen, Tasso Jereissati sentencia que “O estoque das bobagens que Lula fala não é maior do que o estoque de corrupção. Isso é uma coisa horripilante. Esse pessoal era para estar na cadeia.”;
[v] FHC, que protagonizou monumentais escândalos protegidos com a asfixia de CPI´s e o amordaçamento do MPF, alardeia um moralismo estranho à sua genética para ressucitar o “lacerdismo” e preconizar abertamente o golpismo como técnica de enfrentamento ao governo.
Na órbita intelectual, observam-se comportamentos similares. Em entrevista à Folha de São Paulo de domingo passado, 10/09/2006, o Ministro de Cultura de FHC, Francisco Weffort aplica o método de análise ficcional e machartista engendrado na era imperial de Bush para distorcer a realidade. O cientista político parece afeiçoado a esta abordagem que mistura uma aparente sociologia com uma visão terrorista e paranóica da realidade para enxergar, obviamente, “riscos para a democracia”.
Revelando o profundo desprezo nutrido pelos pobres por votarem em Lula, Weffort disse:
“Lembra-se do ‘rouba mas faz’? Lula é o Adhemar de Barros destes novos tempos. O pobre que depende do Bolsa-Família para viver deve considerar muito distantes as controvérsias sobre malversação de dinheiro público. Se ele não paga imposto por que preocupar-se com isso? O pobre não julga nem inocenta ninguém, ele simplesmente deixa isso de lado.
Além disso, esse pobre tipo Bolsa-Família depende da orientação eleitoral de um político local. E esse político, em geral de regiões dependentes do país, também faz vista grossa - quando não participa da corrupção. Assim como o pobre depende de uma ajuda para um prato de comida, muitos políticos dependem do governo federal para sobreviver.”.
Weffort ainda profetiza que Lula “estará, desde o início [do segundo governo], debaixo da crítica cerrada da opinião publica. Sua nova gestão já começará velha, o que é sempre um risco para a democracia.”.
Não é o caso, nesse artigo, de se contestar teoricamente ou sociologicamente as conceituações rasteiras de Weffort sobre os direitos civis equivalentes a cada “tipo de pobre” ou cobrar-se rigor nas imputações graves feitas a pessoas sem comprovações – o que é atribuição do Poder Judiciário, desde que demandado.
Mas é fundamental observar-se que toda a “análise” de Weffort, camuflada em aparente “rigor acadêmico” imanente a um intelectual, serve para instrumentalizar o que de melhor exprime o objetivo do combate do pólo reacionário brasileiro contra a esquerda: sugerir a idéia de “riscos para a democracia” e, assim, justificar o golpismo político.
Neste ambiente, não há espaço para racionalidade analítica. Sequer para reconhecer as contradições do governo Lula, causadas por alguns que espezinharam sobre os valores originais do PT, se promiscuíram politicamente e mergulharam fundo na invenções do tucanato e da classe dominante no interior do aparelho de Estado.
O objetivo vil de atacar o PT a qualquer custo impede, por exemplo, que se diga que foi devido à atuação exemplar da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e de órgãos de controle interno da própria administração [como a Controladoria-Geral da União] que muitas investigações tiveram curso e permitiram o indiciamento de pessoas envolvidas nos escândalos.
A vilania também cega esse conservadorismo, que não é capaz de enxergar as punições feitas com demissão de cargos no governo, com expulsões do PT e com a continuidade de outros procedimentos partidários que devem, sim, resultar em novas expulsões decorrentes dos julgamentos éticos promovidos pelo PT.
Mas o que o outro lado tem a dizer, mais além de simplesmente reconhecer que está em fragilidade para atacar ainda mais pois o PSDB “tapou o sol com a peneira” sobre Eduardo Azeredo / Valerioduto e que foi no governo tucano-pefelê que as sanguessugas foram criadas e vitaminadas [FHC na carta-manifesto]? Não podem dizer nada, pois foram causadores dos maiores escândalos da história do país, compraram votos para a reeleição, realizaram privatizações suspeitas mediante a interdição do trabalho republicano das instituições investigativas e da asfixia de todas as tentativas de instalação de CPI´s.
Também na mesma edição dominical da Folha de São Paulo há outra entrevista, porém com um cientista político [Fabiano Santos], que analisa com equilíbrio e isenção os acontecimentos e escândalos recentes da política brasileira e recomenda aos talibãs fundamentalistas que "encarem as dificuldades com tranqüilidade democrática, e sem recorrer a lacerdismos”.
Pelo visto, o Brasil pós-tucanato se tornou um entreposto do Afeganistão, fornecendo os talibãs fundamentalistas que enxergam “riscos de Moscou” a cada avanço da esquerda.