quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

A deformidade dos salários

Jeferson Miola, integrante do IDEA - Instituto de debates, estudos e alternativas de Porto Alegre

No Brasil o salário mínimo do povo trabalhador e aposentado sofrerá um reajuste de 8,5% e atingirá o valor de R$ 380 a partir de abril de 2007. No mesmo Brasil, deputados federais e senadores se auto-concederam um reajuste de 91% no próprio salário, que passaria para R$ 24.500 não fosse a reação pública a essa indecência. Não se pode esquecer também que os edis se distinguem dos mortais por receberem 15 salários anuais, e não 13.

Com o aumento dos salários de deputados federais e senadores, aumenta automaticamente a remuneração dos deputados estaduais e vereadores de todo o país, vinculada constitucionalmente a de seus pares federais. Aumenta, em conseqüência, o enorme disparate entre a renda da população e daqueles eleitos para representá-la. Com o indecente aumento – indecente na forma privilegiada de legislar em interesse próprio e no valor fixado – os parlamentares buscam equivalência com os integrantes do Poder Judiciário, que já percebem salário de R$ 24.500.

A repulsa da sociedade à tentativa dos parlamentares deve servir para a reflexão sobre a verdadeira deformidade na remuneração do setor público processada ao longo de décadas. Como pode haver um teto salarial [que ao invés de teto funciona como remuneração efetiva] de R$ 24.500 no Judiciário se o mais importante funcionário público do País, eleito por 58 milhões de brasileiros/as, percebe cerca da metade deste valor?

Os privilégios no Legislativo, Judiciário e Ministério Público de arbitrar o próprio salário, independentemente da realidade nacional, criaram castas de funcionários públicos com salários muito superiores à média paga no Executivo. As enormes diferenças reproduzem a natureza desigual e injusta da sociedade brasileira, que ostenta a maior taxa de concentração de renda do mundo e a mais escandalosa desigualdade social e econômica.

Este momento de inquietação pública bem que podia estimular um movimento cívico para se discutir a fixação, por exemplo, de um teto salarial para todo o setor público em no máximo 30 vezes o valor do salário mínimo. Igualmente seria salutar para a democracia a discussão pública e transparente acerca dos salários pagos a funcionários de empresas estatais e em instituições financiadas com recursos do erário, como as do Sistema “S” e o Sebrae.

Os brasileiros que vivem com salário mínimo – aquelas 80% de famílias do nosso povo – poderiam confiar, desse modo, que o Brasil finalmente possa se encontrar com um destino de justiça e menos desigualdade.

Um comentário:

Claudinha disse...

Recebi msg, na qual uma pessoa, apesar de considerar positiva a manifestação popular contra o aumento dos deputados/as e senadores/as, afirmou que a manifestação popular deveria ser maior no sentido de que também cobrássemos os aumentos abusivos do judiciário. A questão é exatamente essa: pôr na ordem do dia das discussões populares estas distorções de legislar em causa própria, principalmente, no tocante aos aumentos salariais. O Judiciário tem uma peculiaridade a mais, os/as juízes/as superiores não são eleitos pelo povo, o que torna qualquer manifestação nesta ordem muito mais "pesada" e difícil para a população.