Jeferson Miola
Publicado no saite da Agência Carta Maior - http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6137
“O mundo que necessitamos não é menos real que o mundo que conhecemos e padecemos.”
Eduardo
Galeano.
Em 2008, quando Barack Obama se elegeu pela primeira
vez, um sentimento ilusório de esperança pairou como uma nuvem sobre a cena mundial.
E não sem razão: depois de oito anos tenebrosos de George W. Bush, as promessas
de Obama inundavam o mundo com a esperança de que a humanidade não estava inexoravelmente
condenada a continuar percorrendo o caminho das trevas.
Obama soube capturar o “espírito dos tempos”, e assim
conseguiu pluralizar a dimensão da sua candidatura presidencial. A candidatura
dele já não era somente um alento para os EUA, mas também uma ingênua
expectativa de mudança que alentava também boa parte do mundo. O slogan “Yes, we
can!” [Sim, nós podemos!], foi a eficiente tradução imaginária dessa
representação subjetiva universalizada.
Além de um discurso eficiente que se comunicava com as
principais exigências éticas e geopolíticas do período – Guantánamo, Iraque,
Afeganistão, paz, respeito à democracia, à diversidade, às soberanias das
Nações e às liberdades – Obama soube explorar os predicados de um homem negro,
intelectual, descendente queniano e com ancestrais no islamismo – a antítese do
norte-americano médio. E se habilitou, nessa condição, como reformador do norte-americanismo
obscurantista da era Bush.
As tremendas desilusões que se sucederam, todavia,
foram proporcionais às ilusões que acompanharam a eleição de Obama. Isso não
significa dizer que Obama tenha sido um impostor – ainda que ele tenha inovado
com novos truques de marketing
político para ganhar as eleições, é bastante provável que o establishment tenha emoldurado o “espectro
realista” de sua ação, impedindo que se tornasse um “ponto fora da curva” do
sistema.
Se existia alguma dúvida de que o mundo poderia ficar
pior depois de George W. Bush, em pouco tempo Barack Obama se encarregou de dissipá-la:
o mundo continuou sendo, sim, pior com ele.
A abjeta prisão de Guantánamo, promessa descumprida de
Obama, é um acinte aos valores iluministas e um retrocesso jurídico e moral à
Idade Média. Os prisioneiros lá depositados, alguns sem acusações formais e sem
a instauração do devido processo legal, são tratados à margem da lei e dos
tratados internacionais de direitos humanos.
A invasão de um país sem consentimento para matar o
inimigo “onde quer que esteja”, cria uma perigosa jurisprudência no direito
internacional, que provavelmente influenciará mudanças de índole reacionária na
doutrina do Direito no mundo.
A visão de democracia “for export” preservou a esquizofrenia: Os EUA legitimaram os golpes
de Estado em Honduras e no Paraguai, reconhecendo prontamente os governos
golpistas que usurparam o poder, mas não reconhecem a eleição democrática de
Nicolás Maduro na Venezuela.
Obama, incompreensivelmente um Nobel da Paz, parece
assomado do mesmo delírio do seu antecessor, e trata o mundo e a realidade como
um jogo virtual de videogame. Os drones, aviões não-tripulados, carregados de
armamento e guiados por controle remoto, alvejam os “inimigos” dos EUA localizados
em qualquer parte do mundo. Essas armas letais somente são disparadas mediante
ordens diretas do Presidente dos EUA que, portanto, tem a exata consciência dessa
ação criminosa e ilegal que sacrifica vidas inocentes.
A espionagem telefônica e cibernética escalou níveis
mais elevados, assumindo um padrão “Orwelliano”
de controle das informações e das comunicações, em nome da “guerra ao
terrorismo”. Segundo denúncia do ex-funcionário da CIA Edward Snowden, que
prestava serviços para a NSA (Agência Nacional de Segurança), o atual governo ampliou
os acordos secretos de cooperação das principais companhias telefônicas e dos maiores
provedores de serviços de internet do mundo [como Skype, Yahoo, Google,
Facebook e outros] com a “estratégia de segurança nacional” do país, executada
em nome da “segurança da comunidade internacional”.
Não se sabe ao certo a finalidade dessas informações
obtidas ilegalmente. É possível que não se destinem somente a programas militares
e de segurança. Na internet e nas redes sociais transitam quantidades incalculáveis
de informações pessoais e íntimas, reveladoras de hábitos de consumo, de modos
de vida, de preferências culturais, de rotinas e de relacionamentos.
As políticas da hiperpotência dominante do mundo são
incompatíveis com as conquistas iluministas da razão, da liberdade, da
igualdade, da tolerância e da democracia. São políticas antagônicas ao mundo
democrático, multipolar, tolerante e de paz que necessitamos, “não menos real que o mundo que conhecemos e
padecemos”, como afirma Eduardo Galeano. O retrocesso em mais de 200 anos
em relação às conquistas civilizatórias e iluministas da humanidade converte a
“esfinge da esperança” em uma pobre caricatura menor da
História que está sendo escrita como uma farsa.
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