Jeferson Miola [2]
Na esteira da mais profunda crise no
centro do capitalismo, EUA e União Européia dão um passo arrojado com a
assinatura do acordo de livre comércio entre essas duas regiões dominantes da
economia mundial. O anúncio não significa a efetiva viabilidade do acordo, pois
as vantagens competitivas dos EUA na agricultura, nos serviços e na indústria
são enormemente desiguais, fator que pode eventualmente desencorajar sua adoção
por uma Europa que efervesce na crise.
Nos últimos meses os EUA têm dado
mostras de estar conseguindo manejar, ainda que tibiamente, a situação da sua
economia, “passando da UTI para a enfermaria”; ao passo que a Europa continua
enfrentando ameaças formidáveis, que vão da recessão duradoura às
possibilidades de dissolução institucional e monetária.
As escolhas políticas aplicadas tanto
nos EUA como na UE, que preservam os fundamentos especulativos do capital
financeiro e priorizam medidas recessivas e supressoras de direitos sociais [o
emprego é a principal evidência], enfraquecem a eficácia do enfrentamento da
crise. Na UE, devido à moeda única, as dificuldades são ainda maiores.
Neste contexto de alternativas limitadas
pelo revigoramento dos venenos neoliberais, o acordo entre os EUA e a UE
adquire especial transcendência para ambos, e impacta fortemente a dinâmica do
comércio mundial. O fluxo de comércio entre as duas regiões é nada menos que
superlativo: aproximadamente 2 bilhões de dólares diários. Ou seja, num único
mês supera o comércio interno anual do MERCOSUL, que ronda os 53 bilhões de
dólares.
Esta zona transatlântica concentrará a
área de maior capacidade tecnológica mundial e sedimentará a aliança
estratégica para o exercício da hegemonia imperial nos campos da economia, da
geopolítica, da cultura e bélico. A efetivação desse acordo esteriliza o papel
da OMC e acaba com as aspirações dos países do Sul geopolítico, de aproveitar o
comércio internacional como vetor para o desenvolvimento.
No fundo, a aliança EUA-UE concretiza
importantes prioridades da política externa estadunidense. Significa a expansão
do seu domínio na Europa para, desse modo, ombrear com a China na disputa por
mercados e para assim também preservar sua enorme capacidade de determinação
dos rumos dos assuntos internacionais.
O acordo com a UE é o segundo movimento significativo
dos EUA no período recente. Em 2012, logrou criar a Aliança do Pacífico entre
Chile, Colômbia e Perú com o México, seu sócio latinoamericano no NAFTA. A
Aliança do Pacífico é o principal êxito da política estadunidense no hemisfério
americano desde o fracasso retumbante da ALCA. É um enclave dos seus interesses
na América do Sul, justo no momento histórico de maior potencial de conformação
de uma comunidade de nações sulamericanas.
Esses dois movimentos combinados, que estendem
“as asas” dos EUA de oeste a leste, do Pacífico aos Atlânticos Norte e Sul, conformam
a mais extensa área de atuação de um único país em todo o Ocidente. E representa
o fortalecimento da hegemonia ocidental liderada pela potência imperial justo
no momento de levantes e turbulências no mundo islâmico.
Esta realidade coloca os países
sulamericanos em posição de defesa e resistência, da mesma maneira que obriga a
uma intensificação das relações Sul-Sul no comércio, na política e na
cooperação. O MERCOSUL, que é o epicentro do processo de integração
sulamericana, assume uma importância ainda mais transcendental nesta etapa do
jogo geopolítico. A incorporação imediata da Bolívia e do Equador como sócios
plenos e a manutenção dos atuais países integrantes, é um imperativo para a
expansão territorial, econômica e política do bloco. É pura miragem imaginar
acordos benéficos do MERCOSUL e seus países com as potências mundiais e seus
blocos regionais.
A formulação de uma estratégia sulamericana
de desenvolvimento a partir do MERCOSUL, que seja baseada em uma visão de
economia política, aprofundando convergências em investimentos,
infra-estrutura, tecnologias, ciência e políticas sociais, é condição essencial
para a defesa da região frente à crise e à nova realidade.
Nunca antes a exigência de uma economia
política em lugar das visões livre-comercistas e tecnocráticas foi tão aguda
como no presente.
[1] Publicado na Agência
Carta Maior - http://cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5814
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