sábado, 18 de abril de 2009

Cretinismo parlamentar

Por Jeferson Miola, publicado no Jornal Zero Hora em 18 de abril de 2009.

O fenômeno do cretinismo parlamentar é tão antigo quanto pernicioso à representação pública e à democracia. Nos longínquos 1851 e 1852, Marx e Engels já se referiam a ele como “aquela doença peculiar” “... que mantém os elementos contagiados [ou seja, os parlamentares] firmemente presos a um mundo imaginário, privando-os de todo senso comum, de qualquer recordação de toda compreensão do grosseiro mundo exterior ...”.

Os privilégios dos deputados e senadores brasileiros revelam que eles vivem, de fato, “firmemente presos a um mundo imaginário”, alheio à realidade do país e do cidadão comum que os elegeu como representantes. No mundo em que se enclausuraram, “suas excelências” vivem num reino distinto.

Recebem dinheiro para se tratarem por fora do SUS ou de planos privados de saúde; ganham quinze polpudos salários por ano; alguns usam a gandaia de passagens aéreas até para a turma da namorada; fazem turismo no estrangeiro; emprestam telefone oficial para filhas usarem em viagem ao exterior; recebem três mil reais de auxílio moradia, mais de quatro mil de quota telefônica e quinze mil de “verba indenizatória”; e se valem de toda a sorte de regalias.

A sedução material é irmã-gêmea do cretinismo parlamentar. As condições especialíssimas que se autoconcedem os parlamentares geram distorções gritantes, assemelhando um mandato parlamentar a um negócio. O de deputado federal, por exemplo, gira um orçamento anual de R$ 1,5 milhão e pode empregar até 25 funcionários com salários entre 710 e 9.500 reais. Exibe um vigor econômico superior à realidade da grande maioria das micro e pequenas empresas brasileiras, que segundo o IBGE faturam até R$ 1,1 milhão ao ano e empregam em média sete trabalhadores remunerados com entre 2 e 3,1 salários mínimos.

Assim como é deplorável esta realidade, é lastimável a reação diversionista dos congressistas, que agem pensando que o povo e a imprensa são otários. Reforçam o irrealismo do luxo e da ostentação do poder no país – também visível no Executivo e no Judiciário -, que é baseado na suntuosidade de mansões, choferes, carrões, salários nababescos, carteiraços, mordomias e desmandos.

O esforço da sociedade para garantir o funcionamento das instituições e da democracia deveria ser correspondido com austeridade e espírito plebeu, aproximando a realidade dos “representantes” populares com a de seus “representados”. Agindo da forma como vêm agindo, contudo, os parlamentares ficam cada vez mais “firmemente presos a um mundo imaginário”, ensimesmados na sua onipotência, onisciência e imunidade, tratando o Brasil como sua capitania hereditária.

3 comentários:

Jean Scharlau disse...

Parlamentáveis, como diz o Aldir Blanc.

elektrofossile disse...

Soltou overbo ...

Claudinha disse...

Jeferson,
só lamento a tua opção em publicar tais reflexões em ZH, jornal de um Grupo que colabora, todos os dias, para o que há de pior em termos políticos. Muitos dos desqualificados, responsáveis pela cretinisse parlamentar, se não alcançaram a eleição por ter ligação com essa empresa midiática, são apoiados por ela. Afinal, aqueles que lutam pela transparência e/ou democratização da coisa pública são, diuturnamente, bombardeados pelo poder midiático. O que essa gente, representante do capital, não quer, é político sério no poder.
Acho importante a denúncia dos gastos parlamentares pela mídia. De fato, familiares e amigos não são os representantes eleitos pelo povo. Agora, cabe ressaltar, que essa pauta só incomodou a mídia, quando estoura o escândalo da Camargo Correa, associado ao julgamento do Daniel Dantas, ambos envolvidos em caixa 2 e corrupção ativa.
Fico me perguntando, quantos jornalistas e/ou donos de empresa de comunicação viajaram por conta dessas [absurdas] verbas indenizatórias de políticos? Pra silenciar, ou jogar fumaça nesses escândalos que abalam as estruturas democráticas, a mídia "dá os anéis para não perder os dedos".
Por fim, teu artigo está irretocável. Apenas questiono a sua publicação num espaço que, a meu ver, não tem legitimidade alguma para tratar de um tema caro [em todos os sentidos] ao povo brasileiro como este. Tens teu blog e outros espaços mais qualificados para publicar as tuas palavras.
Beijo,
Claudia.