Comentários preliminares
Os resultados do segundo turno no país reforçaram a situação de equilíbrio de forças entre o PSDB e o PT, assim como aumentaram bastante o ativo político do PMDB como principal coadjuvante no jogo político nacional. Com o diferencial de que, com a reeleição do prefeito do DEM em São Paulo, o governador José Serra e o tucanato foram duplamente beneficiados: [i] atiram-se na disputa presidencial de 2010 com enorme quinhão eleitoral e [ii] re-cimentam o antigo condomínio fasci-conservador.
No Rio Grande do Sul, dos três municípios onde o PT disputava o segundo turno, a eleição de Jairo Jorge em Canoas pavimenta o caminho da BR-116 e representa a consolidação do avanço partidário nesta importante Região Metropolitana, que em certa medida contra-arresta a derrota sofrida em Porto Alegre pelo PT.
Qual qualidade
Ao interior do bloco de apoio do governo, identifica-se claramente a vitória do lulismo, o que não significa necessariamente uma vitória da esquerda e, menos ainda, a primazia apriorística do PT no tabuleiro político do Presidente Lula. Cabem na “contabilidade lulista”, por exemplo, as eleições como de Eduardo Paes/Rio, do invento petista-tucano Márcio Lacerda/BH, de João Henrique/Salvador e de outros tantos personagens “pouco ortodoxos” da vida partidária nacional.
Mesmo as vitórias do PT têm de ser decifradas. Os quadros de gelatinosidade ideológica, promiscuidade nas alianças e rebaixamento programático verificados em grande parte das campanhas petistas – abrangendo a esquerda partidária e o campo majoritário - impõe maior parcimônia na caracterização das vitórias petistas. Uma pergunta [im]pertinente que se impõe é “qual o PT emergiu das urnas em 2008?”. Uma impressão que fica dessas eleições municipais é de que avançou muito o processo de desconstrução identitária do PT.
A derrota em Porto Alegre
No início da corrida eleitoral, todas as setas indicavam o caminho da vitória petista em Porto Alegre, e a retomada desta cidade que já foi ícone da esquerda mundial por obra das realizações civilizatórias e modernizadoras do próprio PT. Por razões que certamente serão analisadas e expostas ao conjunto dos petistas pela direção do PT e pela coordenação de campanha, o fato é que o PT perdeu, e perdeu de maneira preocupante.
No quadro adiante estão resumidos os desempenhos do PT em Porto Alegre desde quando o partido disputou a própria sucessão em 1992 e as votações obtidas pelos candidatos do PT ao governo do Rio Grande do Sul. Em 1996 não houve dois turnos, porque Raul Pont venceu a eleição no primeiro turno.
Pode-se observar, dessa forma, que no primeiro turno desta eleição, com os 179.587 votos, Maria do Rosário obteve a mais baixa votação nominal de todo o período, assim como a pior votação relativa [22,73%]. Também elegendo sete vereadores no primeiro turno, o PT obteve a menor bancada partidária desde 1998 na Câmara de Vereadores da capital.
Em segundos turnos eleitorais, foi o menor desempenho aferido em todo o período analisado, tanto em termos nominais como relativos e tanto em eleições para a Prefeitura ou nas participações em eleições ao Governo do Estado. Foram quase cinquenta mil votos a menos que o desempenho no segundo turno da eleição municipal anterior. A diferença em favor do adversário, ao redor de 18%, igualmente chama muito a atenção.
“Sociedade acanalhada”
A eleição de 2006 ao governo estadual, quando Olívio fez a maioria dos votos sobre todos os adversários em Porto Alegre nos dois turnos [ver tabela], indicava que a purgação do PT em Porto Alegre teria chegado ao fim. É até possível que, em certa medida, isso seja verdadeiro. Da mesma maneira que pode ser verdadeiro que o odioso sentimento anti-petista tenha aí começado a esmaecer.
O resultado da votação a favor de Fogaça nas regiões abastadas da cidade [2ª zonal], porém, indicam que o “fenômeno” oculto, invisível e profundamente corrosivo ainda existe e é subliminar e eficientemente explorado. Como bem me caracterizou Cláudia Cardoso [do blógue Dialógico] hoje ao telefone, “quê ‘sociedade acanalhada’ esta classe rica da cidade”.
Identificar este fenômeno é como decifrar um enigma. A eficiência da orquestração autoritária e fascista midiática e subjetiva feita ao longo dos últimos anos contra o PT produz representações simbólicas deturpadas e um imaginário delirante e de intolerância contra o PT. Este fenômeno é real, sim, e tem significação relevante nos processos de massa, mas não pode substituir a realização de um balanço rigoroso sobre nossos dilemas políticos e eleitorais.
O dever do balanço
O PT vem colecionando ausências e silêncios quanto aos processos eleitorais e políticos de Porto Alegre e do Estado do Rio Grande do Sul. Em verdade, completa-se uma década sem o exercício crítico e auto-crítico desarmado a respeito dos processos vivenciados. Desde 1998, passando pelas sucessivas prévias traumáticas que resultavam em escolhas e opções ditadas por maiorias eventuais, o PT não elabora de conjunto um balanço.
Já é hora de se retomar a boa tradição de uma boa esquerda e abrir-se o processo de avaliação sobre o desempenho do PT em Porto Alegre. Com a palavra e a responsabilidade primaz, a direção do PT de Porto Alegre e a coordenação de campanha da Maria do Rosário. Para o bom e construtivo debate.
15 comentários:
Jeferson, espero que o PT Municipal faça vários seminários com seus filiados, dirigentes, para aprofundar essa análise sobre o PT em Porto Alegre. Talvez, a derrota do Raul Pont, no segundo turno (pois venceu no 1º em 2004), seguida da vitória apertada do Olívio sobre a Yeda em 2006 na capital, não tenham acendido o sinal amarelo da desconfiança: alguma coisa tem aí.
E acho também que precisamos considerar, como contribuição à baixa votação nominal da Rosário, a Frente Popular sem o PSB e PCdoB como partidos da aliança e a entrada do PSOL no pleito com força: fez dois vereadores.
Em nível nacional, urge a mudança do sistema eleitoral brasileiro com a vigência, por exemplo, da fidelidade partidária e o financiamento público da campanha.
Abração e obrigada pela citação. :-)
Claudia Cardoso
Qual a diferença entre "anti-petismo" e "contra-petismo"? Quem se sente insatisfeito com o PT de hoje é canalha?
Jeferson, é bom destacar que pela primeira vez na História a esquerda vai dividida para a prefeitura. Havia três candidaturas competitivas, o que fez com que o PT tivesse que ficar demarcando com a Manuela no primeiro turno e respondendo aos ataques raivosos da Luciana Genro.
Não foi uma eleição fácil, mas conseguimos garantir a vaga ao segundo turno e, sozinhos, fazer mais de 40% dos votos!
No percentual de Tarso 2002, 2º turno também, pois como não foi eleito não poderia ter mais de 50% dos votos, ou eu não entendi a tabela?
Putz, rateação de leitor apressado. Votação em Porto Alegre!
Acho que não é só o PT que tem que fazer uma análise profunda e duradoura, mas todos os partidos do campo da esquerda.
Jeferson, a pior derrota é a ideológica. E o PT, com a estratégia da capitulação frente ao senso-comum da política do espetáculo, da imagem sem contéúdo programático, premissa da práxis política da direita, já entrou derrotada na campanha. Os quatro meses foram um espetáculo triste para a militancia de esquerda do PT que já foi referencia da esquerda mundial. Slogans vazios ( o que significa acelera?); promessas no varejo destonectada de um projeto de cidade, e o pior, corroborou de forma inacreditável para o constructo ideológico do anti-petismo, ninguem mais do que a própria campanha do PT ajudou a fortalecer o sofisma de que o PT nada fez em 16 anos. A inércia do PT em defender o seu patrimônio, é muito mais forte do que a campanha da direita orquestrada pela RBS. Acredito que não deve ser só a direção do PT ou a coordenação de campanha que devem fazer uma avaliação, e sim os militantes. Precisamos voltar a disputar ideologimanete a sociedade. O vazio teórico da esquerda dá espaços para a mediocridade de um Políbio Braga, que põe em todas as livrarias de Porto Alegre, um lixo chamado " Herança Mandita, os 16 anos do PT em Porto Alegre". Será que essa será a referencia do que fizemos? Com a palavra a militancia do PT.
Jeferson,
Parece-me que eleição para o Rs é uma coisa, para o municipio outra.
O PT sempre fez próximo a 400.000 votos para o RS, até 2006. A lógica da disputa me parece ser outra. Não me parece adequado fazer uma linha histórica linear com as duas eleições.
Não, Simão, você faz que não entendeu. A questão, agora, não é a derrota do PT, mas a vitória de uma pessoa que, dois anos após a sua eleição, a população não conhecia. Que trocou de partido em 2007. Que abrigou, no mínimo, duas personagens sabidamente - uma foi presa, outra, correu para a vereança - envolvida em fraude. Que toca uma obra ilegal. Que teve, como coordenador de campanha, político investigado por enriquecimento ilícito. Que fechou postos de saúde. Que terceirizou o Programa Saúde Familiar para um tal de Instituto Solus que nem escritório fixo possui em SP.
Na educação, precarizou a merenda e a qualidade de ensino. Que não fez uma obra significativa com dinheiro próprio. Que precarizou o transporte público.
Uma população que não viu estas e outras coisas, como a nossa, está como São Paulo, Rio de Janeiro, por exemplo, que não conseguem se livrar do conservadorismo e servilismo ao capital. É disto que falo e tu bem o sabes.
Claudia Cardoso.
A derrota do PT é resultado de um conjunto de fatores entre eles destacaria: 1)Estratégia equivocada de não realizar uma crítica forte ao governo medíocre de Fogaça no primeiro turno; 2)Aceitar o discurso da direita do "passado" , com o objetivo de desconstituir os 16 anos do PT; 3)Não apresentar um projeto de cidade capaz de contrapor o projeto privatista do Fogaça; 4)Promessas no varejo,desconectadas e de nítido perfil demagógico;5) Péssimos programas de TV; 6)Falta de carisma da candidata; 7) Falta de capacidade de comunicação da candidata;8) Concepção de política da candidata e seus apoiadores internos baseada no senso-comum pautado pela mídia e apolítica do espetáculo.
Jeferson:
Não esqueça que os votos da Luciana, em sua maioria, foram de pessoas que saíram do PT ou votavam no PT.
No mais os comentários da Claudia e do Paulo estão muito bons.
É um absurdo como o PT não se dá conta de que a DIREITA COM SIMON,FOGAÇA,RIGOTTO E IEDA descobriram a fórmula para tirar o PT do páreo.O erro do partido foi em não dividir um pouco o poder com o PDT E ISSO FOI FATAL JÁ QUE O MESMO SE ALIOU A DIREITA AQUI NO ESTADO E AGORA O ESTRAGO JÁ FOI FEITO E ELES SABEM E MAIS O APOIO DA RBS E MIDIA AMIGO DO CORREIO DO POVO FICA DIFÍCIL REVERTER A SITUAÇÃO.
Claudia, sei muito pouco de quase nada. Muito pouco, mas o suficiente para saber que ninguém tem quadros capazes de fazer seja lá o que for (particularmente o PT, e não me venha com o cabresto sofisticado do OP, por favor) para fazer o aparelho de governo funcionar de modo decente. Quanto ao "processo democrático", está mais do que evidente que se reduziu a cálculos utilitários de consequências eleitorais. Chega. Nada pode interessar menos agora do que posições no aparelho estatal. Ninguém que está aí pleiteando posições na máquina burocrática pretende colocá-la a serviço de valores republicanos, isso nunca aconteceu no Brasil, e não acontecerá em Porto Alegre. Triste situação.
Simão, estás sendo cínico. Os 16 anos do PT em Porto Alegre e os 4 anos do Olívio no governo do estado, além dos 6 anos do governo Lula [mesmo com suas idiossincrasias] entram no teu rol do "nunca". Bem se vê, o quanto rezas na cartilha do PRBS.
Ah, e como entram! Até porque um desses períodos eu acompanhei de camarote! E afirmo: prefiro o Groucho Marx, ao menos as trapalhadas dele não deixam milhares de famílias de pequenos produtores rurais a ver navios. Ainda não rezava na cartilha do PRBS, mas se nascer um partido conservador que preste neste país, vou ser ficha 0000001! Esta pseudoesquerda está precisando de adversários melhores do que os Syrotski, que não são de nada e fazem dela gato e sapato.
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